Bolsonaro e o interesse do brasileiro pelo tema da presença nazista no país. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 6 de junho de 2019 às 11:59
Mengele à direita na foto em preto e branco; Bolsonaro à esquerda na foto em cores

Um dos mistérios da política é entender por que o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, se tornou uma espécie de irmão de Jair Bolsonaro, já que ao longo de sua vida o presidente brasileiro manteve proximidade com grupos que defendem o nazismo.

O jornalista Eduardo Reina escreveu sobre essa proximidade em uma reportagem publicada pelo DCM em dezembro de 2017, quando Bolsonaro já fazia campanha, mas não era visto como um candidato que tivesse, efetivamente, chances de se eleger.

Ao contar que o Ministério Público Federal recebeu da Justiça em Minas Gerais em julho de 2017 uma carta de Jair Bolsonaro encontrada na casa de um um homem acusado de divulgar ideais nazistas e veicular mensagens com conteúdo racista, Eduardo Reina escreveu:

“Esta não é a primeira vez que fica explícita a ligação entre pessoas que defendem o nazismo, a supremacia branca e que são contra pobres, homossexuais, negros e o pré-candidato a presidente.”

O conteúdo da carta é mantido sob sigilo até hoje, assim como todo o processo.

Reina, então, relatou o apoio que Bolsonaro recebeu de grupos extremistas ao longo de sua vida pública.

E que grupos são estes?

Muitos deles são de jovens que só conheceram nazismo pelos livros escolares ou conviveram com nazistas sem saber quem eles eram.

Como assim?

É que os nazistas tiveram no Brasil acolhida que não encontraram em outros lugares. No Brasil, na Argentina e no Paraguai.

Essa presença nazista no Brasil é um tema que intriga estudiosos e pesquisadores. Sabe-se que havia simpatizantes do nazismo no país antes até do início da Segunda Guerra.

Com a derrota da Alemanha, militares vieram morar no Brasil, e nunca foram incomodados, contando com a simpatia de membros do governo de Getúlio Vargas e depois com a vista grossa de autoridades da ditadora militar.

No documentário “Eldorado – Mengele Vivo ou Morto?”, de Marcelo Felipe Sampaio, que acaba de ser premiado no Festival Pedra Azul, do Espírito Santo, essa presença é contada, através da reconstrução do caso do médico que morreu no Brasil, depois de fugir da Alemanha e passar por Argentina e Paraguai.

Mengele foi médico no campo de concentração de Auschwitz durante a Segunda Guerra Mundial. Ele foi um notório membro da equipe de médicos responsáveis ​​pela seleção das vítimas a serem mortas nas câmaras de gás e por realizar experimentos humanos mortíferos em prisioneiros.

Não era o único. Em Eldorado, bairro de Diadema, viveram outros nazistas e é por isso que o documentário de Marcelo tem esse nome.

Até o chamado carrasco nazista Gustav Wagner viveu no Brasil e foi protegido por autoridades brasileiras durante a ditadura militar — da qual Bolsonaro sempre fez defesas públicas, ao longo de sua carreira parlamentar.

Quando Gustav Wagner foi descoberto, em 1978, Israel, Alemanha, Áustria e Polônia pediram sua extradição. Os pedidos, no entanto, foram rejeitados pelo procurador geral do Brasil, Henrique Fonseca de Araújo, pai do atual chanceler brasileiro Ernesto Araújo.

Em junho de 1979, o Supremo Tribunal Federal também rejeitou um pedido de extradição da Alemanha Ocidental.

Entre os votos contrários à extradição, estava o do ministro Carlos Thompson Flores, avô do atual presidente do Tribunal Regional da 4ª Região (TRF-4), Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz.

Gustav Wagner ajudou na instalação do campo de extermínio de Sobibór na Polônia. Após o término da instalação do sistema de gás, Wagner se tornou sub-comandante do campo sob as ordens de Franz Stangl.

Uma de suas funções era de selecionar quais prisioneiros seriam utilizados  como mão de obra escrava dentro e fora do campo, e quais seriam enviados para câmaras de gás.

Os sobreviventes do campo o descreveram como um dos oficiais nazistas mais brutais e sádicos. Wagner espancava regularmente os internos do acampamento e matava os judeus sem nenhum motivo.

Em 1978, quando se discutia sua extradição, Wagner foi confrontado publicamente por um sobrevivente do campo de concentração, Stanislaw Szmajzner, quando ambos se encontraram em Brasília.

Acusado de genocida, Wagner ameaçou Szmajzner:

“Você ainda vai me pagar por tudo isso. Eu mandei em Sobibor, sim, você sabe disso, e mandei muito. Mas o que é que você está pensando? Que tudo acabou? Que estou acabado?”.

Wagner foi encontrado morto dois anos depois, com uma facada no coração. A perícia não concluiu se foi homicídio ou suicídio.

O que ele disse ao sobrevivente do holocausto é verdadeiro:

“O que é que você está pensando? Que tudo acabou?”

Não, não acabou. E talvez seja esta a razão da atualidade e do interesse despertado pelo filme “Eldorado – Mengele Vivo ou Morto?”, de Marcelo Felipe Sampaio, que ainda não tem data para ser divulgado em grande circuito, restrito que está a festivais.

Veja o trailer do filme:

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Há pouco tempo, Bolsonaro entrou com uma ação por danos morais contra o jornal O Dia, por publicar uma charge de Aroeira que o associava ao nazismo. A desembargadora Cristina Tereza Gaulia negou o pedido. A magistrada justificou a decisão com o argumento de que, se Bolsonaro não ficou constrangido em aparecer na foto com um correligionário fantasiado de Hitler (na acima, na montagem que abre esta reportagem), não haveria também dano moral na charge.

O personagem da foto é um ex-candidato a vereador do Rio de Janeiro, que chegou a ser convidado para um evento promovido por Carlos Apolinário, filho de Jair, na Câmara Municipal do Rio de Janeiro.

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A chage que motivou o processo movido por Bolsonaro: