Bolsonaro e o racismo: os fundamentos jurídicos que podem justificar o pedido de impeachment

Atualizado em 22 de julho de 2019 às 0:04
Jair Bolsonaro. Foto: Agência Brasil

Hoje, durante a transmissão ao vivo pelo DCM TV, o professor Renato de Almeida Oliveira Muçouçah se manifestou em relação a uma colocação feita sobre as violações de Jair Bolsonaro à lei 1.079, de 1950, que definir crime de responsabilidade.

A meu pedido, ele enviou um estudo que pode embasar um pedido de afastamento de Bolsonaro.

Renato de Almeida Oliveira Moçouçah é advogado inscrito na OAB/SP, além de também ter obtido os títulos de mestre, doutor e pós-doutor pela Faculdade de Direito da USP (Largo São Francisco).

Foi professor do curso da Faculdade Nacional de Direito da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e, agora, é professor Adjunto III de Direito na UNIFESP – Osasco. Curiosamente, assumiu a cadeira deixada por Arthur Weintraub, irmão de Abraham, o ministro da Educação), também do alto escalão do governo Bolsonaro.

Renato de Almeida Oliveira Muçouçah faz questão de registrar que não é especialista em impeachment, pois a área de pesquisa dele se dá nas questões trabalhistas e previdenciárias.

Mas, como tem uma formação altamente qualificada em Direito, pedi autorização para publicar suas informações. Segue o texto escrito por ele:

Na sexta-feira, em reunião com a imprensa, o Presidente da República dirigiu-se ao Ministro-Chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, chamando os nordestinos de “paraíbas”. Fez questão de falar sobre o “pior deles”, qual seja, o Governador Flávio Dino.

Bem, Flávio Dino é do Maranhão, ou seja: o Presidente desejou mesmo ofender os nordestinos chamando-os por “paraíbas”, gíria pejorativa carioca para se falar sobre nordestinos; em São Paulo, essa mesma gíria tem pejoratividade nítida quando vemos alguém se referir aos nordestinos, de forma indistinta, como “baianos”).  

O Presidente não se referiu ao Governador do Estado da Paraíba, e sim aos “governadores dos paraíbas”, sendo que o pior deles é Flávio Dino.

O Presidente falou no plural (“governadores”); logo, agiu com nítida intenção de ofender os habitantes e/ou naturais da região Nordeste do Brasil.

Em assim agindo, o Presidente Jair Bolsonaro violou o artigo 9º, item 7, da Lei 1.079/50 (Lei do Impeachment), tendo em vista a nítida e notória quebra de decoro, vez que é chefe de Estado e de Governo também dos habitantes ou nascidos na região Nordeste do Brasil.

Nem mesmo a questão do goldenshower é tão grave quanto esta afirmação!

Ademais, o artigo 6º, itens 7 e 8, da Lei 1.079/50, quando afirma que nada se deve dar ao Maranhãoapenas por ter, como seu Governador, Flávio Dino.

O Presidente propõe a discriminação do Estado do Maranhão EM RAZÃO DA PESSOA DO GOVERNADOR FLÁVIO DINO, o que ataca o princípio da impessoalidade da Administração Pública, constante no artigo 37 da Constituição Federal.

O Presidente atingiu com nítida gravidade a autonomia do Estado do Maranhão, por ameaçar que ele “não deve ser ajudado”, e isso constitui AMEAÇA GRAVE: somos uma República FEDERATIVA, e isso atenta contra a autonomia dos Estado e o DEVER – e não mero “favor” – da FEDERAÇÃO em distribuir recursos e/ou apoio da União aos Estados.

Ainda assim, posso afirmar que, quando Bolsonaro fala em não mandar dinheiro para o Estado do Maranhão, o Presidente não só ameaça desrespeitar a Lei Orçamentária Anual, bem como ATENTA contra um dos OBJETIVOS DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL: “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais” (texto do artigo 3º, III, da Constituição Federal).

Por atentado praticado em sua forma dolosa (como bem mostra o vídeo em que ele fala sobre os “paraíbas” com Onyx Lorenzoni), o Presidente despreza o cumprimento de nada menos que a LEI DE SEGURANÇA NACIONAL.

Sim, foi o que disse: Lei de Segurança Nacional (Lei 7.170/83). Veja só o que consta desse diploma normativo:

Art. 22 – Fazer, em público, propaganda:

I – de processos violentos ou ilegais para alteração da ordem política ou social;

II – de discriminação racial, de luta pela violência entre as classes sociais, de perseguição religiosa;

III – de guerra;

IV – de qualquer dos crimes previstos nesta Lei.

Pena: detenção, de 1 a 4 anos.

[…]

Art. 23 – Incitar:

I – à subversão da ordem política ou social;

II – à animosidade entre as Forças Armadas ou entre estas e as classes sociais ou as instituições civis;

III – à luta com violência entre as classes sociais;

IV – à prática de qualquer dos crimes previstos nesta Lei.

Pena: reclusão, de 1 a 4 anos.

Sabemos que foi gravado um áudio em que o Presidente da República conversava (aparentemente) apenas com o Ministro-Chefe da Casa Civil, mas a reunião contava com diversas outras pessoas e, por isso, tratou-se de fazer propaganda em público.

A xenofobia é uma forma de discriminação racial, conforme amplo entendimento do STF que, recentemente, chegou a classificar até mesmo a homofobia como crime de racismo, já que o entendimento jurisprudencial de “raça” equivale a quaisquer grupos que tenham traços semelhantes como, por exemplo, que pertença a uma mesma região (no caso, ter nascido ou viver em algum dos Estados da região Nordeste).

Sérgio Moro também pode sofrer impeachment, pois Ministros de Estado também se submetem à mesma Lei. Seu caso, paradoxalmente, é de facílima compreensão, mas de prova um tanto mais difícil de ser obtida.

Ninguém ainda explicou ao certo se Sérgio Moro pediu ou não ao COAF (mediante pedido dirigido a outro Ministro, Paulo Guedes), assim como à Polícia Federal (que está sob sua chefia) que investigasse o jornalista Glenn Greenwald.

Não há quaisquer indícios – nem mesmo denúncia – de que o jornalista Glenn Greenwald tenha transacionado dinheiro ilegalmente, ou que membros de sua família o fizeram. Não bastasse isto, vem sendo atacado por Sérgio Moro de maneira muito sutil, que o acusa de partícipe de eventual crime cibernético (a questão dos hackers).

Tal ato fere o princípio da impessoalidade na Administração Pública (artigo 37, Constituição Federal) e, por tal razão, enquadra-se no artigo 9º, itens 4, 5 e 7 da Lei 1.079/50 (Lei do Impeachment).

É bom ressaltar SEMPRE que o jornalista Glenn Greenwald não é brasileiro (até o ponto que sei ele nunca pediu naturalização), mas é estrangeiro legalmente residente no país. Isso é muito importante, pois o artigo 5º, caput, da Constituição Federal, estende aos estrangeiros que vivam legalmente no Brasil os mesmos direitos fundamentais concedidos aos brasileiros, e os concede de forma IDÊNTICA.

Nenhum brasileiro pode ser investigado pelos poderes públicos sem que haja gravíssima suspeita ou fortes indícios quanto ao possível cometimento de crimes, justamente para ninguém que esteja a ocupar cargos na Administração Pública volte esse poder contra um simples cidadão.

O premiado jornalista, frise-se, se é ou foi investigado, ou mesmo que tenha havido pedido de investigação que logo em seguida restou arquivado, compromete a autoridade que o requisitou – e, ao menos pelo que se pode ver em todas as mídias, Sérgio Moro valeu-se de seus poderes para tal.