Publicado originalmente no perfil do autor no Facebook
Tomada ao pé da letra, a declaração de Bolsonaro faz todo o sentido – o que, reconheço, é bem inusual. Só existe democracia se os militares deixarem. Como observou há mais de 50 anos Samuel Finer em seu livro The man on horseback, hoje um clássico do estudo das relações civis-militares na ciência política, “as vantagens políticas do militar vis-à-vis os grupos civis são opressivas. Os militares possuem uma organização amplamente superior. E eles possuem armas”.
Por isso, a estabilidade da democracia depende da afirmação do controle civil sobre as forças armadas. Isso exige uma forte vontade política, com medidas como a firme punição de ilegalidades, arbitrariedades e desobediências à autoridade civil cometidas por oficiais militares, barreiras contra a ocupação de cargos civis por militares, uma educação militar que reforce seu comprometimento com suas atividades profissionais específicas e com os valores democráticos.
Os governos civis, de Sarney a Dilma, pouco fizeram nesse sentido. Os militares estiveram por um tempo fora dos holofotes, mas continuaram exaltando impunemente a ditadura e a violência e vendo a si mesmos como a espinha dorsal da “elite” que, acreditam, deve decidir os destinos do país. Seus excessos nunca foram punidos, nem a insubordinação contra governantes civis. Oficiais com manifesto desprezo pela democracia continuaram a chegar ao generalato.
O golpe de 2016 e agora o governo Bolsonaro têm trabalhado para piorar ainda mais a situação. A intervenção repressiva das forças armadas na política interna ganhou amplitude ainda maior e oficiais colonizam cargos civis – já são mais de uma centena, segundo a última conta.
Bolsonaro disse que a democracia só existe se as forças armadas quiserem. No Brasil, a “democracia” que as forças armadas querem é aquela em que um candidato indesejado pode ser aprisionado, em que o Poder Judiciário se curva às pressões do chefe do Exército, em que a repressão fardada é um risco sempre presente para a mobilização popular, em que a “militarização” aparece como pretensa solução para os problemas do Estado.
Bolsonaro, quem diria, está certo. Cabe aos democratas entenderem suas palavras e colocarem o ativismo autoritário das forças armadas como mais um elemento central dos desafios que temos que superar para retomar o esforço de construção da democracia no Brasil.