As agendas mantidas por um ajudante de ordem subordinado ao tenente-coronel Mauro Cid trouxeram à tona encontros secretos entre o ex-presidente Jair Bolsonaro e comandantes das Forças Armadas logo após o segundo turno das eleições de 2022. Segundo o relato de Cid à Polícia Federal, nessas reuniões discutiu-se a possibilidade de um golpe militar. Com informações do G1.
Os registros nas agendas datam de novembro de 2022 e incluem a presença de comandantes das Forças Armadas, porém, notavelmente, esses encontros não foram mencionados nas agendas oficiais de Bolsonaro.
A Polícia Federal também encontrou uma minuta de decreto inconstitucional na residência de Anderson Torres, ex-ministro da Justiça. Essa minuta indicava uma interferência indevida na Justiça Eleitoral. Não há, até o momento, confirmação de que esse documento seja o mesmo mencionado por Cid em sua delação.
Essa situação levanta questões sobre a transparência e a prestação de contas em relação às atividades do ex-presidente e à relação entre o governo e as Forças Armadas. Além disso, a falta de registro oficial dessas reuniões aumenta as preocupações sobre o papel dos militares na política e na democracia brasileira.
O Comando da Marinha emitiu uma nota afirmando que não teve acesso à delação de Cid, enfatizando seu compromisso com o cumprimento da lei e afirmando que a opinião de um oficial não reflete o posicionamento da instituição. Por sua vez, a defesa de Jair Bolsonaro divulgou uma nota negando qualquer envolvimento em ações “fora da lei” e procurando minimizar as acusações.
1º de novembro de 2022
Em 1º de novembro de 2022, apenas dois dias após o segundo turno das eleições, uma entrada nas agendas registrou um encontro no Palácio da Alvorada.
De acordo com o calendário de e-mail institucional mantido por Jonathan Diniz, ajudante de ordens, estiveram presentes o então ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, o ministro da Justiça, Anderson Torres, o Advogado-Geral da União, Bruno Bianco Leal, o ex-ministro e candidato a vice-presidente de Bolsonaro, general Braga Netto, e os “Comandantes de Força”. O registro indica que a reunião teve uma duração de uma hora.
Em 2023, após os acontecimentos dos atos golpistas de 8 de janeiro, a Polícia Federal encontrou na residência de Anderson Torres uma minuta de decreto destinada a instaurar um Estado de Defesa no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Esse texto, considerado inconstitucional por juristas, previa uma intervenção indevida na Justiça Eleitoral. Em depoimento à PF, Torres afirmou que o documento era “descartável” e carecia de viabilidade jurídica. Até o momento, não há informações que confirmem que esse documento seja o mesmo mencionado na delação de Cid.
2 de novembro de 2022
Em 2 de novembro, Jonathan Diniz, o ajudante de ordens, registrou um encontro às 15h30 no Palácio do Alvorada. Os participantes incluíram “AE Garnier Santos – Comandante da Marinha”, “Gen Freire-Gomes – Comandante do Exército” e o filho do presidente, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). O registro indica que Flávio chegou mais tarde, às 16h30, e a reunião perdurou até às 17h15.
14 de novembro de 2022
No dia 14 de novembro, Diniz novamente incluiu os comandantes das Forças Armadas em um encontro com o presidente. Segundo a marcação em seu calendário, essa reunião ocorreu no Palácio da Alvorada entre 14h30 e 16h20. Entre os participantes, constavam “Comandantes de Força”, “Gen Braga Netto” e “AE Rocha” (provavelmente o almirante Flávio Rocha, então secretário especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República). Outros participantes foram mencionados apenas por siglas comuns em Brasília, como MD (Ministério da Defesa), MJ (Ministério da Justiça), AGU (Advocacia-Geral da União) e CGU (Controladoria-Geral da União).
Ausência de registro
Chama a atenção que a presença dos comandantes nas agendas não tenha sido registrada nas agendas oficiais de Bolsonaro divulgadas pela Presidência na época. Além disso, essas reuniões também não apareceram nas agendas dos comandantes mencionados.
O encontro de 1º de novembro, por exemplo, nas agendas oficiais mencionou apenas parte dos participantes registrados por Diniz, incluindo os ministros da Defesa, da Justiça e da AGU. Braga Netto e os comandantes das Forças Armadas não foram mencionados. O encontro de 2 de novembro não foi registrado na agenda oficial, que indicava que o presidente não tinha compromissos oficiais naquele dia. Da mesma forma, o encontro de 14 de novembro também não apareceu na agenda oficial, que listou apenas reuniões matinais do presidente.