Bolsonaro não é culpado pelo massacre, mas tem algo em comum com os atiradores. Por Daniel Trevisan

Atualizado em 14 de março de 2019 às 12:15
Bolsonaro e uma vítima; à direita, o assassino

É natural que as pessoas tentem buscar explicações para o massacre na escola Raul Brasil, em Suzano. Mas, um dia depois, já é possível detectar alguns exageros.

O maior deles é tentar associar o massacre aos jogos eletrônicos que estimulam a violência, como fez o vice-presidente, Hamílton Mourão.

Jogos existem em todos os países, mas por que só geram atiradores nos Estados Unidos e agora também no Brasil?

Não faz sentido, como observou o ex-senador Roberto Requião em postagem na rede social.

Por outro lado, há uma corrente que associa o crime ao bullying que um dos atiradores teria sofrido na escola, o que, de certa forma, criminaliza as vítimas.

A velha imprensa, de maneira geral, tem seguido este caminho. É a manchete da Folha de S. Paulo hoje.

Essa linha de cobertura é tentadora, mas incompleta e injusta.

Promove o criminoso e —  por que não dizer? — estimula ações desse tipo.

Nos Estados Unidos, existe um debate sério sobre a inconveniência de promover autores de massacres.

É claro que não se busca lá a censura, mas um chamado à responsabilidade.

No caso de Suzano, um dos assassinos influenciou fortemente a narrativa pós-mortem com a sequência de fotos que postou no Facebook minutos antes de iniciar a carnificina.

Foi teatral.

Colocou um lenço de caveira e, com o dedo médio, mandou um recado ao público: danem-se.

Olha aí a próxima chacina em gestação. O atirador de Suzano se tornou celebridade.

Tinha uma vida banal, como a maioria dos jovens, jogava games e se sentia abandonado pelos pais.

À custa da vida e da mutilação de outros jovens, sua vida comum, quase invisível na cidade periférica em que morava, encontrou a fama.

Perverso, mas fato.

Nunca se conseguirá impedir a divulgação de fotos como as postadas pelo assassino. É relevante.

Mas falta equilíbrio na cobertura do massacre.

Falta também um debate elevado sobre o que leva a esse comportamento.

Jogos não têm esse impacto, a menos que se considerem os jogos dentro de um ambiente maior, o da cultura da violência.

Este é o ponto.

E o Brasil, assim como os Estados Unidos, vive esse drama.

É leviano responsabilizar o massacre de Suzano à figura sinistra de Jair Bolsonaro. Tão sinistra quanto o lenço de caveira usado por um dos assassinos.

Jair Bolsonaro, entretanto, não é culpado.

É preciso considerar que ambos são reflexos da cultura da violência que se valoriza no Brasil e também nos Estados Unidos.

Bolsonaro, nesse aspecto, é um faraó, o ocupante da pirâmide mais alta. Um homem que estimula crianças a fazer o gesto de arminha com as mãos.

Portanto, não é uma constatação irrelevante que o criminoso tenha compartilhado pelo menos uma postagem agressiva e contrária a direitos humanos de Eduardo Bolsonaro.

O mundo deles é o de desprezo pela vida humana, próprio de quem vê o caído como um ser irrecuperável, uma coisa a ser removida.

E são, cada um a seu modo, narcisistas extremados.

São pessoas que aplaudem a execução de jovens na periferia pela polícia ou por milicianos. Acreditam que a solução de um problema está no pente de um arma automática ou no tambor de um revólver.

Não foi à toa que os dois jovens se suicidaram — ou um atirou no outro e se matou — quando se depararam com a polícia no interior da escola.

É como se dissessem:

“Sei que vocês não compreendem nossos motivos, mas não somos adversários, somos parceiros. Deixe que fazemos isso por vocês”.

E fim.