Publicado originalmente no Brasil de Fato:
Por Vinícius Segalla
“Jair Bolsonaro não tem condição de governar o país”. “Alexandre de Moraes é um grande jurista e será um excelente ministro do Supremo Tribunal Federal (STF)”.
Essas duas frases foram ditas em entrevistas pelo ex-deputado federal Roberto Jefferson (PTB). Preso na última sexta-feira (13) por ordem do ministro Alexandre de Moraes. Atendendo a pedido da Polícia Federal, que o acusa do cometimento de 13 crimes. Incluindo o de integrar uma organização criminosa digital voltada a atacar as instituições e desestabilizar a democracia.
O Brasil de Fato analisou 32 palestras e entrevistas concedidas pelo político entre os anos de 2005 e 2019. Em todas elas, seu discurso é coerente e constante em três aspectos. A visão crítica sobre o Partido dos Trabalhadores (PT) e suas principais lideranças. Também a defesa do diálogo e das atitudes conciliatórias como única maneira de proceder na vida política. E, finalmente, a devoção e o elogio às instituições democráticas e aos ministros do Suprema Corte.
Norteando-se por essas balizas, Roberto Jefferson disse, em maio de 2018, por exemplo, a respeito do então candidato à presidência Jair Bolsonaro:
Leia mais
1 – VÍDEO: Terremoto de magnitude 7,2 atinge o Haiti e pode deixar “alto” número de vítimas
2 – Lira assinalou que Bolsonaro podia subir ainda mais o tom. Por Luis Felipe Miguel
3 – Preso, Roberto passou a noite em Bangu
“Ele não tem condição de governar. Um homem que vem pela via democrática para atentar contra a própria democracia… é complicado”.
São inúmeros os exemplos, ao longo de anos, da constância do pensamento de Roberto Jefferson sobre Bolsonaro. E sobre a importância de se manter a harmonia entre os Poderes da República e da defesa da democracia.
No ano passado, no entanto, houve uma guinada no discurso e nas ações de Roberto Jefferson. No dia 27 de abril de 2020, o político concedeu entrevista ao portal UOL. Pela primeira vez, disse a um órgão da imprensa nacional que era apoiador do já presidente Bolsonaro, de seu estilo e de suas ideias.
Desde então até a última sexta-feira, quando foi preso, Jefferson passou a pregar o exato oposto do que defendeu ao longo de sua carreira. Em uma escalada de violência retórica contra políticos, magistrados e instituições que acabou por levar à sua prisão.
No dia 21 de fevereiro deste ano, por exemplo, disse, a respeito dos ministros do STF. “Primeiro, você troca os 11. Aposenta os 11 ministros que lá estão no Supremo e nomeia outros 11.” Disse também: “O povo está na expectativa de ver o poder real, o poder do cano do fuzil. Disciplinar esse caravançará, essa bagunça, essa babel que está na Corte de Justiça. O Supremo não é mais uma instituição”. Disse ainda: “Você imagina uma solução para delimitar o poder do STF para a gente parar de ter problema? Pela via democrática, não é”.
Tudo isso em uma única entrevista, que é apenas um exemplo entre dezenas de declarações no mesmo teor. O que fez o político mudar tão radicalmente de postura e de maneira tão repentina, ele nunca disse. O que se sabe é que, até ser preso, Roberto Jefferson era um dos maiores e mais entusiasmados defensores do bolsonarismo, ao contrário do que fora nos últimos mais de dez anos.
Veja, abaixo, alguns exemplos de declarações de Jefferson anteriores a sua guinada. Versando sobre temas como Jair Bolsonaro, STF e instituições democráticas.
1 – “Bolsonaro quer fechar o Congresso e não tem condição de governar”
No dia 19 de maio de 2018, Roberto Jefferson concedeu entrevista a uma rádio da cidade de Tupã (SP). Em que traçou um cenário para a disputa eleitoral que o país vivia naquele ano.
Disse que não torcia pela vitória de Jair Bolsonaro (então no PSL), classificado como um político sem experiência administrativa. Sem a essencial “verve conciliatória” e sem capacidade para governar o país. Disse ainda que sua torcida era pela eleição do então candidato Geraldo Alckmin (PSDB).
2 – “Doria é um mau candidato (a presidente). Ele é um Bolsonaro mais culto, um Bolsonaro de cartola”
No dia 11 de setembro de 2017, Jefferson concedeu entrevista à rádio Eldorado, de Santa Catarina. As eleições presidenciais seriam no ano seguinte, e Jefferson defendia abertamente que o PSDB escolhesse como seu candidato o então governador de São Paulo, Alckmin, a quem o político preso na última sexta gostaria de apoiar.
À época, o partido tucano ainda debatia quem seria seu representante na eleição, e o nome do então prefeito paulistano, João Doria, era um dos cotados.
Na entrevista que segue abaixo, Jefferson faz duras críticas a Doria, afirma que ele adotava um discurso de extrema direita, alimentando o ódio, e que seria “uma espécie de Bolsonaro de cartola, um Bolsonaro mais culto”, concluindo: “O país não precisa de um presidente rompedor, que leve o país a uma guerra civil”.
3 -“Alexandre de Moraes é um grande jurista e será um grande ministro”; “Fux e Toffoli não defendem o PT e nunca traíram suas convicções jurídicas”
No dia 11 de fevereiro de 2017, Jefferson concedeu entrevista à jornalista Mariana Godoy, em um programa televisivo da Rede TV!. À época, Alexandre de Moraes havia sido indicado a uma vaga no STF pelo então presidente Michel Temer (MDB), e estava prestes a ser sabatinado pelo Senado Federal.
A jornalista, então, perguntou a Jefferson se ele não via problemas no fato de uma pessoa filiada a um partido político (Moraes era filiado ao PSDB) ser indicada a uma vaga no Supremo.
Em resposta, o político não apenas disse não ver problema algum, como teceu uma série de elogios a Alexandre de Moraes e a sua carreira como “jurista, promotor e professor de Direito Constitucional”. Disse também que tinha certeza que “Alexandre de Moraes será um grande ministro”.
Jefferson também desfiou elogios aos ministros Luiz Fux e Dias Toffoli. De acordo com o petebista, o fato de os magistrados terem sido indicados à Suprema Corte pelo PT em nada os tornava parciais em seus julgamentos.
Prova disso seria a própria conduta e decisões que os dois tomavam como ministros do STF: “O ministro Toffoli, que era advogado do PT e foi indicado pelo partido, no Supremo Tribunal, vota a favor da Justiça! E por isso é acusado de traidor pelo PT”.
4 – “O PT não cooptou o Poder Judiciário”
Desde a guinada, até ser preso na última sexta, Roberto Jefferson empregava o discurso de que o STF, atualmente, atua politicamente em favor do Partido dos Trabalhadores e das forças políticas de esquerda do país. “Puxadinho do PT”, “socialistas de toga” e “partido comunista” são algumas das formas como o petebista já se referiu ao STF e seus ministros no último ano.
No dia 11 de abril de 2016, em entrevista no programa Roda Viva, da TV Cutura, Jefferson afirmava exatamente o contrário disso. De acordo com ele, o PT não conseguiria desestabilizar o país à época, mesmo que viesse criticando às instituições pelo processo de impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff, chamado pelo partido de “golpe”. Isso porque “o PT não cooptou o (Poder) Judiciário”.
5 – “Maconha tem que ser vendida em farmácia”
De um ano para cá, entre outras bandeiras do bolsonarismo, Roberto Jefferson vem defendendo ferrenhamente o combate a todas as drogas e a criminalização de sua venda, porte e uso.
“Peço perdão ao Brasil pelo voto a favor da maconha dado pelo deputado Eduardo Costa”, declarou o petebista em sua conta no Twitter em junho deste ano, após votação na Câmara de projeto de lei que prevê o plantio de maconha no Brasil para uso medicinal.
Já no dia 13 de junho de 2011, em entrevista a uma retransmissora da TV Bandeirantes no estado de Tocantins, o petebista fez diversos elogios ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) por sua defesa à descriminalização do uso e porte da maconha.
“Ele (FHC) trouxe a juventude para o lado dele. É um homem que tem coragem de defender suas ideias. Descriminalizar o uso da maconha? Eu penso que ele tem razão. O meu enfoque é esse”, disse Jefferson, defendendo em seguida que a venda em farmácias da planta diminuiria a violência gerada pelo tráfico ilegal no país.
Na mesma entrevista, o petebista lembrou ainda que foi relator (e favorável) à lei que legalizou a união civil entre pessoas do mesmo sexo, outro tema sobre o qual mudou de opinião radicalmente quando passou a apoiar Jair Bolsonaro.
6 – “Bolsonaro tem discurso revolucionário, mas vive na democracia. Se fosse uma ditadura, seria mais fácil”
No dia 19 de outubro de 2019, Roberto Jefferson concedeu sua última entrevista encontrada pela reportagem do Brasil de Fato em que teceu críticas ao já presidente Jair Bolsonaro. Em um programa de Youtube do PTB, partido do qual é presidente nacional, ele afirmou que o ex-capitão possui “um discurso revolucionário”, que seria fácil de ser implantado se o Brasil vivesse sob uma ditadura, onde o presidente pudesse exercer “sua vontade imperial”.
Mas, como não é assim, afirmou Jefferson, Bolsonaro acaba por atrair muitos inimigos para si e gerar dificuldades para o país. Uma atitude mais conciliadora seria o rumo certo a ser seguido pelo atual presidente, disse então Roberto Jefferson, pela última vez antes de passar a pregar exatamente o contrário até ser preso, na última sexta-feira.