“O governo Bolsonaro não tem um projeto para a educação – ele tem um projétil”. A afirmação é de Cesar Callegari, presidente do Instituto Brasileiro de Sociologia Aplicada e que integrou por 12 anos o Conselho Nacional de Educação. A fala metaforiza uma ação que ele classifica como “proposta de desmonte”.
“A finalidade do governo é a entrega de setores educacionais públicos para que sejam explorados pela iniciativa privada”, constata Callegari, que foi secretário municipal da Educação de São Paulo na gestão de Fernando Haddad. No governo Dilma Rousseff, ele chefiou a Secretaria de Educação Básica do MEC, enquanto o ministro da Educação era Aluízio Mercadante.
Em entrevista ao DCM, Callegari disse que a educação faz parte de um rol de setores cujo processo de desmonte é encabeçado pelo Ministério da Economia de Paulo Guedes, restando imerso “em um grande caldeirão de maldades que tem a ver com o processo de privatização”.
O alvo do ataque seriam estruturas do pacto federativo, materializado na Constituição de 1988, que sustenta políticas de Estado estratégicas para o desenvolvimento do país, a englobar educação, cultura, ciência, tecnologia e até saúde.
“Há um ataque deliberado, e esse ataque tem protagonistas dentro do governo (além de Guedes): o ministro da Educação (Abraham Weintraub), o ministro do Meio Ambiente (Ricardo Salles) e o ministro das Relações Exteriores (Ernesto Araújo)”, relaciona.
Desnecessário expor o quão ridículas Cesar Callegari considera certas invenções da direita filha de Olavo de Carvalho, como o tal do “marxismo cultural”. O sociólogo, contudo, explica as razões que tornam disciplinas como sociologia e filosofia indispensáveis ao ensino médio, ao contrário do que pensam os bolsonaristas, que desejam excluí-las do currículo escolar.
“São matérias fundamentais para que tenhamos a possibilidade de construir um pensamento humanista, e não um pensamento tecnicista raso, como pretende o próprio presidente da República, que acha que conhecer a fórmula da água basta para uma pessoa estar preparada. Esse tipo de expressão, vinda do principal mandatário do país, pode parecer o espasmo de um psicopata despreparado, mas tem por trás um projeto de destruição das bases do país”, acredita.
Segundo Callegari, sem aprender conceitos de sociologia e filosofia o estudante não consegue desenvolver uma visão crítica sobre o mundo. “Qualquer que seja o campo da atividade humana, o desenvolvimento do pensamento crítico é absolutamente central, ainda mais nos dias de hoje, em que se tem abundância de informações mas não se tem conhecimento – o conhecimento só se forma a partir de uma base teórica”, explica.
Os instrumentos do “desmonte” são vários, sempre amparados nos preceitos econômicos neoliberais mimetizados por Paulo Guedes. A total desvinculação de receitas orçamentárias, tantas vezes defendida pelo ministro da Economia, é um deles.
“A vinculação de recursos para a educação, no caso 18% das receitas tributárias do governo Federal e 25% das receitas tributárias de estados e municípios, é absolutamente indispensável para que se garantam políticas de longo prazo. O mesmo vale para ciência e saúde, áreas que não podem ficar à mercê de oscilações orçamentárias de ano para ano. Trata-se de política de Estado, não apenas de governo”, salienta Callegari.
Pressionado por manifestações populares que lotaram as ruas das principais cidades do país, o governo reduziu o corte inicialmente anunciado para a educação. Por enquanto, o MEC teve contingenciados 5,8 bilhões, dos quais 2 bilhões seriam destinados às universidades federais.
Foco preferencial dos ataques do governo, para quem nada fazem além de formar “comunistas” e promover “balbúrdias”, as universidades públicas são 43 das 50 instituições que mais publicam trabalhos científicos no Brasil, segundo os últimos Indicadores Nacionais de Ciência, Tecnologia e Inovação, levantados pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações.
As privadas, de outra parte, não compõem exatamente um campo de excelência.
“Nós temos algumas instituições superiores privadas de boa qualidade, mas, lamentavelmente, pelos critérios e pelas forças de comando do mercado, o que temos visto hoje é a precarização em larga escala da educação superior privada. Não se pode transformar o ensino superior numa fábrica de diplomas”, sentencia Cesar Callegari.