Bolsonaro não vai dar um golpe, já está dando. Por Luis Felipe Miguel

Atualizado em 3 de agosto de 2021 às 10:33
Bolsonaro defende o voto impresso desde antes de sua eleição, em 2018
EVARISTO SÁ/AFP – 05.05.2021

Publicado originalmente no Facebook do autor:

Por Luis Felipe Miguel

Bolsonaro vai dar um golpe?

A questão precisa ser aprimorada, antes de que se possa tentar uma resposta.

“Um golpe” já ocorreu no Brasil. Ou melhor: vem ocorrendo.

Ocorreu com o impeachment ilegal de Dilma Rousseff. Com o desmonte da Constituição promovido pelo governo Temer. Com o veto à candidatura de Lula em 2018. Com o incremento do autoritarismo pelo governo Bolsonaro.

A questão então seria: em meio a este “golpe permanente”, por assim dizer, vivido pelo Brasil nos últimos anos, Bolsonaro quer dar um novo golpe que lhe permita permanecer na presidência?

Mesmo colocada desta maneira, a questão merece reparos. Bolsonaro não quer dar um novo golpe. Bolsonaro já está dando o novo golpe.

Está tumultuando o processo eleitoral do próximo ano, colocando sob suspeita a contagem dos votos e mobilizando uma base – minoritária, mas muito agressiva – para contestar o resultado. Trabalha pela inviabilização seja da eleição, seja da posse do eleito.

Vai dar certo? No momento, eu diria que não.

Os militares não têm uma liderança forte. Há setores que são sensíveis à desmoralização das forças armadas sob o governo Bolsonaro. E outros se sentem, no momento, traídos, vendo suas boquinhas sendo transferidas para o Centrão.

Mas quanto mais Bolsonaro insiste impunemente na sua preparação do golpe, maior a possibilidade de que se criem as condições para que ele tenha sucesso.

É um recado permanente para as bases bolsonaristas, tanto civis quanto milicianas: podem avançar, está liberado.

Não basta dar declarações, por mais “fortes” que elas pareçam à imprensa. É preciso interromper os esforços de Bolsonaro para subverter o processo eleitoral.

Mas o que seria possível fazer?

Seria possível exigir que Arthur Lira desse andamento aos pedidos de impeachment, tal como foi feito com a CPI da Covid no Senado.

Seria possível avançar rapidamente no processo de cassação da chapa Bolsonaro-Mourão no TSE.

Seria possível determinar a imediata remoção do ministro da Defesa.

Seria possível suspender todas as contas de Bolsonaro e de seu círculo próximo nas mídias sociais.

Seria possível impor uma proibição de que o presidente se manifestasse em público sobre o processo eleitoral.

São todas medidas que contam com precedentes já estabelecidos. Teriam efeitos práticos, em particular o efeito de demonstrar que a reação ao jogo de Bolsonaro está pronta para ir além da condenação meramente verbal.