O Parlamento Europeu enviou uma mensagem incisiva esta semana ao governo Bolsonaro. 362 eurodeputados aprovaram uma resolução que exige mudanças na política ambiental do Brasil e condena a situação dos povos indígenas e defensores do meio ambiente no país.
A resolução “condena veementemente o brutal assassínio de defensores do ambiente e dos direitos humanos, bem como dos povos indígenas no Brasil, e, mais recentemente, o assassinato do jornalista Dom Phillips e do ativista Bruno Pereira”.
Deixando claro que as autoridades do Brasil não fazem o que deveria ser evidente, “exorta as autoridades brasileiras a realizarem uma investigação exaustiva, imparcial e independente sobre estes assassinatos e a garantirem o pleno respeito dos direitos processuais em todas as circunstâncias”.
A resolução cita os responsáveis pelo nome. “Lamenta a contínua retórica agressiva, os ataques verbais e as declarações intimidatórias do Presidente Bolsonaro”.
“Insta o Governo brasileiro a reforçar e a garantir uma aplicação mais eficaz da legislação contra a desflorestação e a exploração mineira ilegais, bem como a procurar alternativas sustentáveis às políticas extrativas que visam os territórios indígenas”.
“Lamenta o desmantelamento, pelo atual Governo brasileiro, de agências governamentais como a Funai, que superintende os assuntos indígenas, e o Ibama, principal organismo brasileiro responsável pela execução da legislação ambiental”.
A inação de Brasília é exposta pela resolução, que “insta o Governo brasileiro a restabelecer e reforçar as capacidades destes organismos para garantir a aplicação efetiva da legislação ambiental e dos direitos dos povos indígenas”.
“Solicita o reconhecimento e a proteção das terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas”.
“Iincentiva vivamente o Estado brasileiro a combater os crimes ambientais e a aplicar uma nova abordagem sustentável em relação à Amazônia”.
Em linhas gerais, a resolução do Parlamento Europeu diz que o governo Bolsonaro não combate os crimes ambientais e as violações de direitos humanos. Mais do que isso, acusa-o de deixar os crimes acontecerem em total impunidade.
Ao enviar a resolução aos governos e parlamentos de todos os países membros da União Europeia, à presidência da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos, ao Secretário-Geral da Organização dos Estados Americanos, à Assembleia Parlamentar Euro-Latino-Americana, além do próprio Jair Bolsonaro, governo e Congresso Nacional, o Parlamento Europeu constrange o governo brasileiro mundialmente, expondo a verdade que Bolsonaro tenta esconder: é o responsável pelo massacre do país.
A resolução foi proposta por diferentes grupos do Parlamento Europeu, dentre eles o S&D (Socialistas e Democratas), o centrista Renew, os Verdes e A Esquerda. 200 eurodeputados se abstiveram, principalmente da direita. Apenas 16 eurodeputados votaram contra.
Javi López, um dos eurodeputados co-autores da proposta, explica em entrevista ao DCM o contexto da resolução e seus objetivos. Ele aponta também suas preocupações com a realização das próximas eleições e o risco de repetição da invasão do Capitólio no Brasil. Também reitera o apoio de seu grupo à candidatura do ex-presidente Lula.
DCM: Como surgiu a ideia de propor essa resolução?
Javi López: Surgiu do grupo dos Socialistas e Democratas. Uma mistura da vontade dos deputados da Comissão do Meio Ambiente e Assuntos Exteriores de colocá-lo como prioridade nas resoluções de urgência, sobre violação de direitos humanos.
Em cada plenário, o Parlamento Europeu sempre aprova três sobre violações de direitos humanos. Por quê? Para mostrar nossa condenação total ao assassinato do jornalista (Dom Phillips) e do ambientalista (indigenista Bruno Pereira) no Brasil, uma notícia que comoveu o mundo.
Entendemos que os assassinatos se deram em condições determinadas, depois de vários anos de uma vida política no país, especialmente midiatizada pelo seu presidente. Os líderes ambientais e as minorias foram alvos de discursos de ódio, o que gerou uma atmosfera que facilita ataques contra esse tipo de pessoas.
Eu sintetizaria a resolução com a seguinte frase: o governo Bolsonaro não está cumprindo suas obrigações. Concorda?
Sim, claro. É uma das coisas que nosso grupo introduziu na resolução por várias razões. Seus ataques constantes contra mulheres, pessoas racializadas, coletivos LGBTI, minorias acabam contribuindo para gerar uma atmosfera que facilita ataques a esse coletivo.
A política que (Bolsonaro) conduziu na Amazônia é absolutamente nefasta, descumprindo a responsabilidade que tem em gerir as maiores fontes de biodiversidade do mundo.
E nos preocupam os ataques que têm feito à democracia brasileira nos últimos meses e ao processo eleitoral, daí a importância dessa resolução agora.
De que maneira avalia a quantidade de votos favoráveis que a resolução obteve?
A resolução foi claramente majoritária, apoiada pelos grupos liberal, socialista, verde e esquerda. Ao mesmo tempo, é absolutamente incompreensível que a direita do Parlamento Europeu resolveu abster-se.
Não entendo por que para o PPE (grupo conservador) incomoda denunciar e fazer críticas à linguagem e a atitude de Bolsonaro, cujo comportamento é denunciado por uma maioria internacional.
Quão fácil ou difícil foi obter essa quantidade de votos?
Os grupos que apoiaram estavam absolutamente comprometidos. O PPE tentou ao máximo rebaixar as críticas a Bolsonaro. A resolução foi aprovada com uma maioria clara e ampla. O PPE se absteve. Só a extrema direita votou contra a resolução.
Quais são as consequências dessa resolução para o Brasil?
É uma mensagem que o Parlamento Europeu envia, utilizando o maior número de formalidades possível no Plenário e uma resolução com debate.
Em primeiro lugar, mostrar o máximo de solidariedade com as vítimas e seus familiares. Ao mesmo tempo, contém uma mensagem política.
Vocês não têm medo de que a União Europeia seja acusada de fazer uma ingerência nas eleições brasileiras contra Bolsonaro a menos de três meses do pleito?
Não, porque a dinâmica eleitoral do país vive seu próprio ritmo. Temos três resoluções desse tipo todo mês, 36 resoluções desse tipo por ano. É normal. Dado o caso concreto dos assassinatos, decidiu-se fazer essa resolução.
O Parlamento Europeu tem candidato para as eleições no Brasil?
Não. Mas o grupo dos Socialistas e Democratas apoia a candidatura de Lula da Silva.
De que maneira a União Europeia vê as eleições brasileiras que ocorrerão daqui a menos de três meses quanto à segurança?
Com muito respeito. O Brasil é uma democracia consolidada, com uma mecânica eleitoral reconhecida internacionalmente, não apenas por sua transparência, mas por sua fiabilidade. Há um respeito absoluto à autoridade eleitoral do país e ao procedimento em curso.
Mas o presidente Bolsonaro colocou em dúvida a confiabilidade das eleições e convidou os militares a “reforçá-la”.
Estamos plenamente conscientes disso e seguimos de perto a dinâmica eleitoral do país. Pedimos apenas respeito por parte de todos, também do presidente, às instituições eleitorais do país e sua mecânica eleitoral, que é reconhecida internacionalmente, uma democracia consolidada, fiável e transparente.
Mas o Parlamento Europeu não acredita num risco de golpe de Estado?
O Parlamento Europeu acompanha de perto o que está acontecendo e estamos seguros quanto às instituições do Brasil. Ele não se pronunciou sobre isso. Mas se você me perguntar, eu diria que as instituições do país e da democracia estão acima de qualquer um, inclusive do presidente.
Então não acredita no risco de um golpe de Estado?
Creio que com Bolsonaro, por sua atitude, existe o risco de que se agrave nos próximos meses, que atinja as instituições e a democracia do país.
A democracia estará acima de qualquer um, inclusive de seu presidente. O que estamos vendo agora é muito parecido com o que aconteceu nos Estados Unidos.
O que aconteceu nos Estados Unidos pode se repetir em Brasília?
Não, mas a atitude de Bolsonaro repete a de Trump diante das eleições.
Ainda quanto à resolução, acredita na efetividade da mensagem que os eurodeputados enviam ao governo Bolsonaro, que o tempo que falta para acabar o mandato de Jair Bolsonaro é suficiente para uma mudança?
Honestamente, parece-me muito difícil que haja em todos os temas-chave do governo Bolsonaro e sua presidência cometeram erros gigantescos na gestão da pandemia, no tratamento às minorias, na proteção do meio ambiente, que tudo isso seja solucionado nos próximos meses. Mas o Parlamento Europeu mostra sua opinião.
Ele o faz de modo solene e respeitoso, obviamente, com o povo brasileiro, mas indica sua opinião simplesmente sob a perspectiva dos direitos humanos, que são valores que acreditamos ser universais.
Se pudesse sintetizar a política de Bolsonaro para o meio ambiente, que frase seria?
De negacionismo da ciência e da realidade. O Brasil é um dos pulmões do mundo e tem uma enorme responsabilidade, um enorme patrimônio ambiental do qual todos desfrutamos. Creio que a gestão ambiental dessa responsabilidade foi francamente negligente.