Publicado originalmente no Jornalistas pela Democracia:
Por Mario Vitor Santos
O resultado da decisão do voto impresso na Câmara dos Deputados trouxe à tona um baú de informações sobre a séria crise de identidade dos partidos de direita.
O apoio ao voto impresso foi bem superior a todas as previsões de analistas, feitas com base nas informações transmitidas pelas lideranças dos partidos de centro-direita e direita. No plenário, ele não teve os 308 votos suficientes, os dois terços requeridos para aprovação de toda emenda à Constituição.
Alcançou, porém,229 votos, sendo que nos dias e horas anteriores à decisão havia quem dissesse que a derrota seria por uma grande margem, pois o tal voto impresso não teria nem mesmo cem sufrágios.
O resultado inesperado decretou a derrota de Bolsonaro, mas também expôs graves fissuras na fidelidade dos deputados em todos os grandes partidos de direita.
De um modo geral, houve numerosas e graves defecções na bancadas desses grupos, em aberta insurreição contra as determinações públicas das chefias do PSDB, PL, DEM, PSD, MDB e Solidariedade. Uma desmoralização. Claro, pode ter sido combinado, mas será que foi?
Ao que parece, o movimento foi sorrateiro. À revelia das direções partidárias, secretamente, os votos a favor de Bolsonaro surgiram de última hora.
O fenômeno evidenciou a cada vez mais séria crise de identidade vivida pela direita tradicional desde a vitória de Bolsonaro nas últimas eleições presidenciais. Não é só Dória, nem Mandetta ou Moro, nem mesmo Ciro, que não decolam. O bolsonarismo ocupou o eleitorado e também os próprios partidos da direita, tirando o oxigênio desses candidatos.
Hoje, aglomerados bolsonaristas aguerridos estão incrustados em todos os partidos de centro e direita, sempre em grau significativo. São grupos que operam ainda um pouco à sombra, mas na realidade são mais convictamente fiéis a Bolsonaro do que à direção de suas agremiações.
A tensão entre esses parlamentares e as direções partidárias se acirra porque a quebra da disciplina, que aparece no Parlamento, vai se repetir no processo eleitoral do ano que vem, com parte das bancadas apoiando o energúmeno mesmo que seus partidos não o queiram.
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A sedução exercida pelo neofascista brasileiro entre as bancadas de direita remete ao que aconteceu com o Partido Republicano estadunidense. A agremiação sofreu uma verdadeira mutação ultradireitista, já experimentada anteriormente pelo advento do Tea Party, e tornada irreversível após a passagem de Trump, que se tornou o dono do partido. Vale notar que o fenômeno resiste mesmo depois da derrota do ex-presidente para o democrata Joe Biden nas eleições do ano passado.
No Brasil, a ocupação eleitoral exercida por Bolsonaro não se expressa apenas nas pesquisas de intenção de voto. Repito: ela ocorre da mesma forma nas representações parlamentares da direita, num movimento que ameaça implodir por dentro esses partidos.A qualidade do ideário desses partidos, sua capacidade de operação política a partir de uma visão para o país, que já era rala, anula-se ainda mais.
Sucumbindo a Bolsonaro, corroídas por dentro, esses ajuntamentos perdem ainda mais qualidade de ideias.Tornaram-se vítimas colaterais da passagem de Bolsonaro, cujos efeitos serão permanentes.Como se pode ver nos EUA, planeta percursor do Brasil de hoje, é ingênuo esperar que com a eventual saída de Bolsonaro esses partidos voltarão ao seu caráter tradicional.
Para manter seu espaço diante da força da esquerda e o apelo de seu programa junto aos pobres, a direita, em busca da sobrevivência, acaba abraçando candidatos como Bolsonaro, que de um lado lhes salva, por outro os devora, afundando-os num borrão fascista, uma variante ainda mais medíocre e mais letal para os mesmos partidos, nessa sequestrada, cada vez mais ameaçada “democracia”.
A direita tradicional (DEM, PSDB, PP, PL, Solidariedade e o que restou do MDB, etc) sempre deixou uma porta entreaberta para o fascismo. Agora, atravessa o corredor.