Neste mês (novembro), o presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, bloqueou o Diário do Centro do Mundo no Twitter.
Ele ficou chateado por ser humilhado pela declaração de guerra aos EUA de Biden.
O veículo não foi o primeiro perfil bloqueado pelo presidente nas redes sociais. Bolsonaro impede o acesso de cidadãos, outras autoridades e até jornalistas.
Um levantamento do Globo mostrou que são pelo menos 15 perfis impedidos de acessar o conteúdo publicado por ele, que ocupa a chefia do Estado.
A Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) registrou que pelo menos 40 jornalistas brasileiros são bloqueados por autoridades no Twitter.
Entre as autoridades, estão os irmãos Weintraub, Mario Frias e, claro, Bolsonaro.
Eventualmente, o presidente utiliza suas redes sociais para anúncios de governo (eventos oficiais, obras, ações de ministérios e afins), no entanto, a Secom alega que “as redes sociais pessoais do(s) presidente(s) da República têm caráter privado, sendo a responsabilidade de seu conteúdo do próprio detentor das contas”.
A manifestação foi feita ao DCM em um pedido de Lei de Acesso à Informação do ano passado (2019). Nela, a secretaria ainda afirmou que “não tem gestão sobre esse conteúdo [redes sociais do presidente]“.
À época, o Professor Doutor de Direito Administrativo da Faculdade da Universidade de São Paulo (USP), Marcos Augusto Perez, afirmou que o Twitter do presidente confunde o espaço público com o privado e configura desvio de poder.
Na semana passada, o ministro do STF Marco Aurélio Mello votou a favor de que o presidente desbloqueie um advogado que o criticou.
Ele alega que as publicações do presidente “não se limitam a temas de índole pessoal, íntima ou particular”:
“[Elas] dizem respeito a assuntos relevantes para toda a coletividade, utilizado o perfil como meio de comunicação de atos oficiais do Chefe do Poder Executivo Federal”.
Outras autoridades que costumam bloquear cidadãos são Carla Zambelli e Bia Kicis, ambas administram as redes com recursos públicos.
Zambelli criticou o voto do ministro do STF, dizendo que as redes sociais são dela, mas uma de suas próprias assessoras, Elizabeth Rabelo, já disse que administra suas redes.
Ou seja, indiretamente, as redes da deputada são administradas por dinheiro público. Mas, mesmo assim, ela bloqueia cidadãos.
A também bolsonarista Bia Kicis é outra autoridade que rotineiramente impede brasileiros de verem seu perfil.
Ela paga mensalmente R$ 6 mil a uma empresa de comunicação para administrar suas redes sociais.
A Câmara dos Deputados, no entanto, não fiscaliza os perfis financiados com dinheiro público.
Em resposta a um questionamento do DCM, a Câmara afirmou que cabe a ela “verificar apenas a regularidade fiscal e contábil da documentação comprobatória dos gastos” e que “o deputado assume inteira responsabilidade pela nota fiscal que apresenta”.
“A democracia pressupõe a existência de divergências políticas e a permissão ao livre debate”, diz especialista
Mestre em Direito e pós-graduado em Direito Constitucional, Bruno Krieger falou ao DCM.
Segundo o jurista, por fazer uso também institucional de seus perfis, Bolsonaro não deveria poder bloquear cidadãos nas redes sociais:
“Entendo não ser permitido o ato de bloqueio. Isto porque a democracia pressupõe a existência de divergências políticas e a permissão ao livre debate”.
Ele ressalva, no entanto, que, “caso utilizasse apenas para a sua vida privada, sem ensejar debates públicos ou ações públicas”, o entendimento seria outro.
Sobre o voto de Marco Aurélio, ele afirmou que o ministro “pontua muito bem a forma como o Presidente da República utiliza as redes sociais”.
Em seu entendimento, o bloqueio de usuários só seria justificável nos casos de agressão, ofensas e prática de crimes:
“Neste caso, como forma de atuar, inclusive, em legítima defesa, entendo que poderia sim, bloquear o usuário, a fim de cessar as agressões”
No caso específico julgado no STF, a ação se deu por um bloqueio após uma crítica ao presidente, o que não significa, automaticamente, a configuração de um crime.
Bruno ainda acrescenta que, “por serem utilizados de forma institucional”, os perfis de Bolsonaro nas redes sociais “estariam sujeitos aos princípios do art. 37 da Constituição Federal”, ou seja, aos princípios da Administração Pública.
Entre eles, estão os princípios da impessoalidade e da publicidade.