Em meio à fome generalizada, Bolsonaro quer privatizar a CeasaMinas

Atualizado em 18 de outubro de 2021 às 19:10
Veja o Jair Bolsonaro
Jair Bolsonaro; (Brasília, DF – 14/10/2021) Conferência Global 2021; – Millenium; – Foto; Alan Santos/PR

A CeasaMinas, uma das maiores centrais de abastecimento de alimentos do País, está na lista das privatizações do governo Bolsonaro, justamente quando quase 20 milhões de pessoas estão passando fome, no Brasil. O leilão de venda da empresa de economia mista que estava previsto para novembro deste ano foi adiado para fevereiro de 2022. Uma nova audiência convocada pelo BNDES está prevista para amanhã, 19 de outubro.

O movimento contra a privatização, liderado por entidades que representam trabalhadores da empresa, produtores rurais e parlamentares, alerta para os riscos quanto à segurança alimentar, inflação no preço dos alimentos e os prejuízos para o patrimônio público com a venda da empresa que é lucrativa e estratégica.

Protestos e medidas jurídicas têm sido tomadas para impedir a privatização por um valor mínimo para o leilão, estabelecido pelo BNDES, de R$ 253,3 milhões – muito abaixo do que a empresa vale, cerca de R$ 2 bilhões.

Para chegar a esse valor, a informação é que foram estimados os preços dos pontos comerciais, formados pelas 760 empresas instaladas em seis entrepostos, acrescidos dos valores dos terrenos e instalações físicas. Ao todo, as unidades são responsáveis por abastecer 12,7 milhões de pessoas em 870 cidades, com a oferta anual de 2,4 milhões de toneladas de hortigranjeiros, cereais e produtos industrializados (alimentícios e não alimentícios).

O deputado federal Patrus Ananias (PT-MG) (ex-ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome no Governo Lula) entregou ofício ao procurador do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União contra a privatização da CeasaMinas, além de questionar os valores irrisórios para venda da empresa.

Outra iniciativa é do deputado federal Rogério Correia (PT-MG), que apresentou um Projeto de Decreto Legislativo para a retirada da CeasaMinas do Programa Nacional de Desestatização, o PND.

Em 17 de setembro, a deputada estadual Beatriz Cerqueira (PT) também ajuizou uma ação popular na Justiça Federal para impedir a privatização da empresa. A justificativa se baseia na defesa das ações de segurança alimentar e do patrimônio público.

Leia também:

1; Pressionado, deputado bolsonarista se manifesta após xingar Papa

2; “Macabro”: Como Flávio reagiu a depoimento de parentes de vítimas da Covid

3; IBGE cancela Concurso e Censo 2022 volta a ficar ameaçado

Sucateamento

No dia 13/09, houve uma audiência pública promovida pela Comissão de Trabalho da Assembleia Legislativa de Minas Gerais. As incertezas em relação aos contratos de concessão de lojas e ao destino dos atuais funcionários foram algumas das questões levantadas na reunião.

Foi denunciado o sucateamento e falta de investimentos na empresa, com vistas à entrega do patrimônio público em benefício de interesses privados. Há informações de que um grupo de comerciantes se organiza para montar um consórcio e participar do leilão de venda da CeasaMinas.

Entre as justificativas do governo para privatizar está a melhoria na infraestrutura dos entrepostos. Mas a tarifa de condomínio dos lojistas que têm obrigações contratuais com a manutenção foi reduzida de R$17,24 o m2 (nov/2015) para R$ 10 o m² em setembro de 2021, uma das mais baixas do país.

“É um sucateamento proposital que o local vem sofrendo, e é sempre bom lembrar que o objetivo da CeasaMinas não é dar lucro, mas, mesmo assim, ela tem dado lucro, com a privatização, o risco é, além de desarticular o escoamento da produção em, pelo menos, seis pontos do Estado, afetar diretamente mais de 4 mil produtores rurais”, opina Sânia Barcelos Reis, diretora do Sindicato dos Trabalhadores Ativos, Aposentados e Pensionistas do Serviço Público Federal no Estado de Minas Gerais (Sindsep/MG).

Na audiência, Sânia Reis também refutou a descrição feita pelo governo federal para anunciar a venda, de que a função principal da empresa pública é a de serviços imobiliários. “Temos economistas, técnicos agrícolas e diversos profissionais que atuam na regulação e na fiscalização do mercado de alimentos, não temos corretores de imóveis”, disse.

Concessões

As concessões perderão a validade com a privatização, segundo o economista do departamento financeiro do CeasaMinas, Wilson Guide. Ele apontou que os contratos, realizados em sua maioria em 2007, já previam esse cenário. O encerramento das concessões seria, segundo tais contratos, compensado com indenizações. Porém o valor dessas seria calculado a partir dos valores pagos ao Estado e não levariam em conta. Por exemplo, as benfeitorias feitas nos galpões por cada lojista; que previa a estabilidade no local por mais de duas décadas.

Ele aponta que a CeasaMinas tem papel importante no cálculo do Valor Adicional de Imposto (VAF); que incide sobre tributos cobrados pelo governo estadual. Eles são calculados a partir da circulação de mercadorias entre as cidades.

As estatísticas produzidas pela empresa pública são usadas para o cálculo do VAF; que depois acaba revertido para os cofres municipais. “Mais de 70% dos municípios mineiros serão impactados se os cálculos do VAF não forem mais feitos. E eu acho que a maioria dos prefeitos nem sabe disse”, afirmou Wilson Guide.

Atualmente, a CeasaMinas movimenta 2,4 milhões de toneladas de alimentos. Mais de 90 mil pessoas transitam, todo dia, pelos seis entrepostos a empresa, federalizada em 2000.  O entreposto de Contagem possui 44 pavilhões e um Mercado Livre do Produtor, este, pertencente ao governo de Minas Gerais. A empresa escoa a produção de quatro mil agricultores, 50% dos quais ligados à agricultura familiar. Em 2020, a receita operacional bruta foi de R$ 55,7 bilhões, com lucro líquido de R$ 5,4 milhões.