Um caso concreto para muita gente que ainda se pergunta para que serve o jornalismo profissional, se a internet está cheia de informações de graça, saídas de todos os lados e vindas de todas as fontes.
É uma dúvida bobinha, porque todos sabem que a informação confiável (e que circula nas redes misturada às fake news) é, na maioria das vezes, a produzida por quem tem habilitação profissional.
O repórter e comentarista Igor Gielow, da Folha, está aí para provar que o jornalista ainda faz o que poucos conseguem fazer.
No avião que levou Bolsonaro de Brasília para São Paulo, na quarta-feira, estavam pelo menos 200 passageiros.
Qualquer um deles poderia perguntar a Bolsonaro se ele havia de fato enviado mensagens golpistas, com fake news e ataques ao Supremo, a um grupo de empresários tios do zap.
Mas quem pergunta é Igor Gielow, que está no avião (não se sabe se por acaso). E Bolsonaro responde:
“Eu mandei para o Meyer, qual o problema? O Barroso (ministro Luis Roberto Barroso) tinha falado no exterior (sobre a derrota da proposta do voto impresso na Câmara, em 2021), eu sempre fui um defensor do voto impresso”.
Pronto. Serviço feito. O repórter não precisava perguntar mais nada. É uma aula sobre a pergunta única. Aquela que, obtida a resposta, faz com que o entrevistador se retire de cena.
Depois de uma resposta desse calibre, com uma informação tão poderosa, o jornalista deve agradecer e ir embora, antes que uma frase na sequência esculhambe com tudo o que a frase significa.
E a frase de Bolsonaro é a confissão de um crime, pelo menos um. Ele era disseminador de mentiras e de insinuações golpistas, pregando contra a eleição.
A resposta esclarece o que durante um dia todo, na véspera, era uma dúvida. O celular identificado como sendo do presidente da República, que aparecia em mensagens encontradas no celular do empresário Meyer Nigri, da Tecnisa, era de fato de Bolsonaro? Ou o que mais importa: o próprio Bolsonaro teria enviado a mensagem golpista a Nigri?
Sim. Bolsonaro confirmou ao jornalista. Ele mandou a mensagem ao milionário que está sob investigação do Supremo desde agosto do ano passado.
Essa é a mensagem, de 26 de junho de 2022:
“O ministro Barroso faz peregrinação no exterior sobre o atual processo eleitoral brasileiro, como sendo algo seguro e confiável. O pior, mente sobre o que se tentou aprovar em 2021: o voto impresso ao lado da urna eletrônica, quando ele se reuniu com lideranças partidárias e o Voto Impresso foi derrotado. Isso chama-se interferência. Todo esse desserviço à democracia dos 3 ministros do TSE/STF faz somente aumentar a desconfiança de fraude preparadas por ocasião das eleições. O DataFolha infla os números de Lula para dar respaldo ao TSE por ocasião do anúncio do resultado eleitoral. REPASSE AO MÁXIMO”.
Nigri respondeu:
“Já repassei para vários grupos. Faz tempo que não nos falamos. Como vc tá? Abs de Veneza”.
Achavam que Bolsonaro poderia desmentir a Folha, por ter rejeitado no avião que a conversa fosse gravada. Mas o sujeito confirmou depois à CNN o que havia dito a Igor Gielow.
Um jornalista obteve de Bolsonaro a confissão que talvez os interrogadores da Polícia Federal não obtivessem dele.
Bolsonaro disse no avião o que dificilmente diria no depoimento marcado para o dia 31 na PF.
Sem advogados, ele cometeu o erro do arrogante. Admitiu que espalhava fake news sobre fraude na eleição e atacava ministros do Supremo e do TSE, para insuflar o golpe. E ainda pedia que as acusações fossem repassadas.
Tudo o que aparecer a partir de agora, nos celulares dos empresários golpistas, como mensagem saída do mesmo celular da mensagem a Nigri, será entendido como conteúdo produzido de fato por Bolsonaro.
São desfeitas as incertezas sobre a propriedade do celular e sobre a autoria das mensagens. É para isso que serve o jornalismo. Bolsonaro sabe muito bem.
Originalmente publicado no Blog do Moisés Mendes
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