Publicado em Os Divergentes
Por Helena Chagas
O que diria o mundo se o presidente da França, Emmanuel Macron, tivesse, semanas antes de sua reeleição, em abril, chamado os embaixadores estrangeiros acreditados em Paris para lhes dar uma aula sobre o sistema eleitoral francês, com destaque para suas falhas e riscos?
E Joe Biden, se, diferentemente das expectativas, resolver disputar a reeleição nas EUA? Nem Donald Trump, que se candidatou, perdeu e tentou melar os resultados, teve uma ideia tão infeliz.
Esta segunda-feira, 18 de julho, tem tudo para ficar na história como o Dia da Chacota Diplomática, e seria cômica, se não fosse trágica, a reunião de Bolsonaro com os embaixadores estrangeiros em Brasília para tentar mostrar que as urnas eletrônicas do TSE podem ser fraudadas – e que ele não só vai ganhar, como já ganhou, a eleição marcada para 2 de outubro. Não precisa nem ter eleição.
A comunidade internacional já percebeu, nesses três anos e meio, que temos aqui um presidente com projeto autoritário que não tem competência nem para liderar um golpe. Os senhores embaixadores acreditados em Brasília já mandaram, muito provavelmente, centenas de boletins diplomáticos dando conta da situação por aqui.
Países como os Estados Unidos e os integrantes da União Européia já manifestaram de forma diplomática sua preocupação em relação à manutenção da democracia por aqui. É, portanto, pouquíssimo provável que Bolsonaro alcance seu objetivo, que é obter o apoio, ou ao menos a indiferença, em relação ao golpe que ainda pretende dar.
Mais uma vez: seria cômico se não fosse trágico ver um presidente da República tentando catequizar os líderes dos principais países do mundo sobre a “necessidade” de desobedecer o resultados das eleições de uma das maiores democracias de massas do mundo – instrumento pelo qual, aliás, chegou ao poder.
Os presidentes do STF e do TSE, chamados, obviamente recusaram o convite para participar desse vexame internacional. Seriam submetidos a um constrangimento sem tamanho, e, em casa alheia, sem condições de retrucar ou discutir.
Os embaixadores ficaram numa saia justa, tentando encontrar desculpas para não comparecer e mandar representantes do segundo escalão. Afinal, boa parte deles conhece o ex-presidente Lula, respeitado no exterior, e até torce por sua eleição. Mas o protocolo praticamente obriga o embaixador de um país estrangeiro a aceitar convocações dos governantes do país onde cumprem sua missão, nem que seja para um rapapé.
Ao fim e ao cabo, dizem diplomatas estrangeiros, Bolsonaro não vai mudar em nada a posição do mundo em apoio à democracia no Brasil. Levará o povo brasileiro e os embaixadores convidados a mais um constrangimento, talvez na tentativa de falar para sua bolha eleitoral e ganhar pontos por aqui.
O país, tão machucado, não merece mais essa. Desse episódio, porém, provavelmente só irá restar, em boa parte da diplomacia internacional, uma forte torcida para que seja o último. E o fortalecimento da convicção, na comunidade internacional, de que é preciso ficar de olho na eleição brasileira para fazer exatamente o contrário: reconhecer na primeira hora uma eventual vitória de Lula.