“Essas manifestações vão flopar”, disse ao DCM, a partir da Espanha, onde está a dois dias de ganhar bebê, a socióloga e professora Esther Solano.
Detalhe: uma das principais estudiosas do fenômeno Bolsonaro, não usava o surto do coronavírus para justificar.
Segundo ela, outros motivos explicam o fracasso.
“Primeiro porque Bolsonaro já tratou esse tema e recebeu inúmeras críticas institucionais: da imprensa, do Congresso e do STF. Depois porque, ao contrário do que muitos pensam, ele já não tem tanta força quanto se pensa, mesmo dentro da sua própria base eleitoral”.
Esther pesquisa o comportamento do eleitor que apoiou Bolsonaro em 2018.
Conta que esse grupo está dividido em duas partes.
“O campo radical, que tem grande afeição a ele, e o moderado, a maioria”.
É justamente entre esses moderados que a situação se complica para o capitão.
“São aquelas pessoas, praticamente 70% dos que votaram nele, que estão cansadas de tanta instabilidade”, diz a pesquisadora. “Eleitores que querem uma política tranquila, de negociação, de governabilidade e não estão dispostos a sair protestando por qualquer coisa”.
Puxa pela memória.
“Se você pensar um pouco, o último evento assim, mais simbólico, que foi a libertação do Lula e que tinha potencial para ser o auge do anti-petismo, o que vimos? Quatro ou cinco gatos pingados protestando em São Paulo. Eu diria que essas coisas, somadas à falta de apoio dos setores institucionais, levaram a um cansaço e ao desgaste dessa política de confronto”.
Falamos novamente após Jair sugerir, em cadeia nacional, na noite de quinta, a transferência das manifestações para daqui uns 20 dias, não sem antes cravar que o recado ao Congresso havia sido dado.
“Isso é uma afronta à ordem democrática e institucional que deveria ser rejeitada”, diz Esther. “Inconcebível. Apresenta à República um mandatário com uma postura violenta”.
O estilo prendo e arrebento do capitão, segundo ela, só funciona porque “os bolsonaristas radicais ainda têm um apego político simbólico pelas suas ideias”.
“Representam o protótipo do fascista”, explica. “Aquela pessoa que sente de fato uma identificação psicológica e afetiva com o presidente e por isso é incapaz de enxergar o fracasso dos movimentos anteriores”.
Segundo ela, essas pessoas são personificadas na figura do “homem branco e de classe média”.
Para Esther, o grupo moderado está exausto.
“O que dizem é que Bolsonaro gasta muito tempo nas redes sociais batendo boca, que não deveria se comportar desse jeito agressivo”, diz.
Óbvio, e é desnecessário dizer, que todo brasileiro em sã consciência sabe que o Congresso não é um convento de carmelitas, mas os mais esclarecidos se perguntam se é momento de jogar tanta lenha na fogueira.
“Elas acham que é momento de trabalhar, ter cautela”, diz a pesquisadora. “Buscar governabilidade, levar o país para um ambiente de normalidade”.
E sobre as reiteradas mentiras de Jair, que dizer?
“De fato existe uma parcela considerável da sociedade que acredita nas fake news”, ela diz.
“Gente que não é capaz de diferenciar verdade de mentira e esse é um problema crucial. Vemos uma super valorização das redes sociais. Mas também encontramos quem não acredita em fake news e que votaram em Bolsonaro por outros motivos: antissistêmico, novidade, o outsider”.
“Muito disso é decorrência da Lava Jato”, continua a professora. “Ela foi fundamental para o crescimento do bolsonarismo. E também tivemos o cansaço com o PT. Muitos se sentiram traídos pelo partido. Um conjunto de fatores que talvez não tenha tanto a ver com a figura política de Bolsonaro e sim por uma conjuntura de exaustão”.
Bolsonaro encara a política como guerra.
Vê seus adversários como inimigos.
“Isso funciona bem em períodos eleitorais”, diz Esther Solano. “Quando as pessoas são movidas pelas emoções, e ele soube aproveitar bem esse momento de ruptura proporcionado pela Lava Jato”.
Só que agora as coisas mudaram e ele já não é mais o franco atirador folclórico e sim a própria representação do sistema.
“Trata-se de um paradoxo que não se sustenta e o presidente acabou refém dessa figura antissistêmica, incoerente com a função de chefe de Estado. Para piorar, ele próprio é quem leva o país à instabilidade permanente”.
Bolsonaro tem sim seus dias contados, na opinião de Esther.
“Basta pensar em alguém que leva o país a uma sucessão de fatos instáveis, a uma dramatização continua, arrastando consigo a economia, a política, a sociedade”, diz. “Nota-se que ele conta com alguns apoios, mas não apoios institucionais de fato. O STF se mobiliza, o Congresso, a imprensa, até os militares me parecem incomodados”.
O setor produtivo, isso o brasileiro está careca de saber, vai continuar com o presidente até que as esperanças com a retomada da economia se esgotem.
Então, quem vai sobrar?
“Sergio Moro e a turma que acredita na Lava Jato”, profetiza a estudiosa.
“Mas esse apoio é menos importante, pois se trata de um valor mais do campo simbólico”.
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