É divertido, como parte da área de entretenimento e adivinhação do jornalismo e da ciência política, o debate sobre a sobrevivência ou não do bolsonarismo sem Bolsonaro.
O bolsonarismo não precisará de um Bolsonaro politicamente morto, e não é difícil explicar por quê.
Até Carluxo entende que, sem poder, sem orçamento secreto, sem militares e sem milícias dentro e no entorno do governo, e cercado pelo Ministério Público, Bolsonaro não será nem mesmo um Michel Temer.
Bolsonaro será um Aécio Neves sem direito à proteção do Judiciário e, mais adiante, se aperfeiçoar seus desatinos, pode até se transformar num Eduardo Cunha.
É enganoso pensar que os eleitos que comeram pela mão de Bolsonaro se manterão fiéis a ele, depois da derrota para Lula.
Não serão. Podem ser gratos pelos mandatos e continuar afetivamente ligados ao sujeito, mas não como parte de uma estratégia ou de uma submissão política.
Muitos dos eleitos que passaram pelo governo e deram base ‘ideológica’ ao bolsonarismo apenas se aproveitaram de Bolsonaro. Mas não precisarão mais dele.
Até Sergio Moro se aproveitou. Mas, com Bolsonaro entregue à solidão da mansão na Barra da Tijuca, não haverá mais nada a fazer. Eles mais perdem do que ganham se mantiverem vínculos com o derrotado.
Os que se aproveitaram de Bolsonaro, incluindo os ricos e a classe média, terão de seguir em frente com os sobreviventes, e não com os que tombaram e ficaram pelo caminho.
A direita brasileira vai sair em busca de alguém que a conduza a uma nova ilusão, depois dos fracassos das opções representadas por João Doria, Eduardo Leite, Mandetta, Luciano Huck.
A direita terá de voltar a sonhar com alguém que seja seu, livre de Bolsonaro. Precisará se acalmar. Que comece a enxergar Simone Tebet, que terá exposição e brilho num governo Lula, como uma possiblidade.
Simone tem qualidades para puxar a direita para o centro e separar as turmas misturadas ao pessoal de Bolsonaro. E os seguidores de Bolsonaro podem renovar suas esperanças com outros nomes.
Não há motivo para que os surpreendentes vitoriosos da eleição para o Congresso continuem fiéis a um sujeito já sem forças.
O que chamam de bolsonarismo não é Bolsonaro. É uma base heterogênea que não depende só dele.
Um pedaço do novo bolsonarismo pode ser liderado por Sergio Moro. O bolsonarismo flexível, que adorava Moro como parceiro de Bolsonaro, que ficou magoado quando ele e Bolsonaro se desentenderam – e que voltou a admirá-lo quando o ex-juiz suspeito se reaproximou do ex-chefe para se eleger senador –, pode se agarrar a Moro.
Assim como o bolsonarismo militarista pode investir na liderança de Mourão. E tem Damares para os fundamentalistas. Muitos apostam em Tarcísio de Freitas, mesmo que perca a eleição em São Paulo.
O roteiro é o da fratura clássica das facções, quando o líder cai em desgraça ou morre e a estrutura do negócio é quebrada em pedaços. O bolsonarismo contará com vários líderes.
Quem tem mandato ficará apenas devendo favor a Bolsonaro. Mas não precisa pagá-lo com o preço da própria sobrevivência.
Aécio Neves só está aí, com votos cada vez mais minguados, porque teve o suporte do Judiciário amigo. Bolsonaro não deve contar com essa proteção.
O fim de Bolsonaro é previsível, porque assim acabam os derrotados. Está na História, na literatura, no cinema.
É um fim contado por todas as artes e está na Bíblia, no cordel e na mitologia das milícias.