O ex-ministro e general da reserva Walter Braga Netto solicitou, pessoalmente, autorização do Tribunal de Contas da União para comprar coletes à prova de balas para o Rio de Janeiro sem licitação de preços em 2018.
Suspeita de conluio e superfaturamento, essa aquisição desencadeou operação da Polícia Federal nesta terça (12) contra integrantes do gabinete de Intervenção Federal. Braga Netto não foi alvo de busca e apreensão, mas teve o sigilo telefônico quebrado.
Ele pediu ao TCU que “a exemplo da necessidade pontual apresentada pela Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, [há a] de reposição de 8.571 coletes balísticos, por término do prazo de validade, a partir de outubro de 2018. O uso desse material bélico é de importância vital para o agente de segurança pública em serviço, tendo em vista a grande quantidade de armamento pesado (fuzil), atualmente, utilizado por criminosos”.
A encomenda foi à empresa americana CTU Security LLC para aquisição de 9.360 coletes balísticos com sobrepreço de R$ 4,6 milhões.
Após autoridades dos EUA alertarem o governo brasileiro de que havia indícios de conluio entre o gabinete de Braga Netto na intervenção federal e a CTU, o TCU reabriu apuração.
Em 22 de julho de 2021, o Brasil de Fato publicou matéria de Paulo Motoryn sobre o caso. Alguns trechos:
O ministro da Defesa, o general Walter Braga Netto, foi responsável pela assinatura de um contrato de mais de R$ 40 milhões que é investigado em processo administrativo que corre no Governo Federal. O acordo, firmado sem licitação com a empresa estadunidense CTU Security, foi fechado em 2018, pelo Gabinete de Intervenção Federal no Rio de Janeiro, comandado pelo militar. (…)
A CTU Security tem sede na Flórida, nos Estados Unidos. Em seu site oficial, aponta como presidente o empresário Antonio Emmanuel Intriago Valera, conhecido como Tony Intriago. Desde o início da semana, ele é investigado na Flórida por participação no assassinato do presidente do Haiti, Jovenel Moise, dentro do palácio do governo, em 7 de julho.
Segundo relatos de autoridades da Flórida, em entrevista ao site Politico, Tony Intriago teria contratado mais de 20 ex-soldados da Colômbia para executar a morte do chefe de Estado haitiano. Na semana passado, chefe da Polícia Nacional do Haiti acusou Intriago de visitar o país várias vezes e de ser um dos integrantes de uma conspiração para matar Moïse, mas não forneceu mais informações.
Durante 13 anos, de 2004 a 2017, cerca de 37 mil oficiais das Forças Armadas do Brasil foram deslocados para o Haiti. O Brasil de Fato mostrou, em julho, que pelo menos oito militares que tiveram papel de liderança na missão ocupam ou ocuparam cargos no governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Braga Netto não atuou no país caribenho, mas tem longa relação com militares norte-americanos.
Há 10 anos, em 2011, o atual ministro da Defesa foi designado adido militar do Comando do Exército junto à Embaixada do Brasil nos Estados Unidos. Braga Netto permaneceu em território norte-americano por aproximadamente três anos. Deixou o posto em 2013, quando retornou ao Brasil para atuar no esquema de segurança dos Jogos Olímpicos de 2016, no Rio de Janeiro.
Menos de dois anos depois das Olimpíadas, em fevereiro 2018, Braga Netto foi nomeado pelo ex-presidente Michel Temer (MDB) como interventor federal no Rio de Janeiro. A intervenção seguiu até dezembro do mesmo ano.
Em 2019, a Agência Pública de Jornalismo Investigativo mostrou que onze empresas privadas de segurança e tecnologia nacionais e internacionais assinaram cerca de R$ 140 milhões em contratos sem licitação com o governo brasileiro, todos destinados à intervenção no Rio de Janeiro.
O Brasil de Fato tentou contato com o Ministério da Defesa, que orientou a reportagem a contatar a Casa Civil da Presidência, responsável pelas operações do Gabinete de Intervenção Federal do Rio de Janeiro. A pasta, no entanto, não respondeu ao contato.
A empresa CTU Security também não respondeu aos questionamentos feitos por e-mail.
A CTU Security também foi citada nas revelações do WikiLeaks em 2015 sobre a Hacking Team, uma empresa italiana conhecida por desenvolver ferramentas de vigilância e espionagem cujos programas foram acusados de roubar senhas de jornalistas e espionar ativistas de direitos humanos.
O vazamento do WikiLeaks mostrou que a CTU buscou a Hacking Team para tentar vender projetos conjuntos de vigilância para o governo do México, revelando interesse, inclusive, na implantação remota de softwares espiões em computadores.