Uma coisa que me deixa particularmente preocupada é quando juízes de direito decidem lançar livros de ficção – para alavancarem seus egos ou porque lhes sobra tempo para devaneios enquanto os estagiários despacham os processos.
Desculpem, senhores juízes, mas seus livros são, em geral, os piores.
Gilvan Macêdo dos Santos – percebam que, graças a deus, um acento separa nossos sobrenomes -, juiz de primeira instância do Recife, teve essa brilhante ideia e, não satisfeito, escolheu um título avassalador: “A discriminação do gênero-homem no Brasil em face à lei Maria da Penha”.
O lançamento – pasme, ou não, afinal, estamos falando do Brasil – ocorrerá no próprio Palácio da Justiça de Pernambuco. Fino.
Não sei o que me assusta mais: um juiz de direito falando de discriminação do gênero-homem ou o fato de ele lançar o tal livro em um órgão público de peso – só pra eles, acho.
É rir pra não chorar.
Temos o pior judiciário da história recente do Brasil: um juiz partidário ganha confetes, um senador – Alô, Renan Calheiros – comete desobediência civil e é salvo pelo famigerado contorcionismo jurídico e um golpe contra a democracia é cometido sob os olhos do povo, “com o STF, com tudo” (Jucá, 2017).
Agora, como o tiro de misericórdia, como o sétimo gol da Alemanha, como um chute em um cachorro morto, me aparece um juiz questionando uma lei que garante a isonomia, esquecendo-se, talvez, que a isonomia é um direito fundamental constitucionalmente garantido.
Não há “discriminação ao gênero homem” quando a lei trata de maneira diferente pessoas diferentes e com diferentes necessidades, muito pelo contrário: isso garante a isonomia.
Em um país isonômico, os iguais são tratados igualmente e os desiguais desigualmente, a fim de que se atinja a igualdade.
Se o juiz pretende negar que mulheres são socialmente e historicamente desiguais aos homens, é um direito que lhe assiste, mas não posso deixar de sentir uma ligeira vontade de rasgar o meu diploma e ir pra Cuba.
Ou isso, ou a Constituição não é muito relevante para a tese do juiz-escritor.
Mas, no Brasil, tudo bem desconsiderar a isonomia. Tudo bem desconsiderar a constituição. Tudo bem desconsiderar a democracia. Tudo bem juiz de direito lançar livro ruim – e tem quem compre.
Eu, particularmente, prefiro revista em quadrinhos.