Por Leonardo Sakamoto
É boa notícia que a proposta do governo Lula de regulamentação da primeira etapa da reforma tributária, aquela relativa aos impostos sobre o consumo, esteja tramitando no Congresso Nacional. Mas o Brasil não chegará nem perto de justiça tributária se não aprovar a segunda parte, a que deveria taxar a renda e riqueza dos muito ricos.
O governo não deve cumprir o prazo de 90 dias, previsto na emenda constitucional da primeira etapa da reforma, para apresentar a segunda. A justificativa vai ser de que ela já está sendo entregue de forma fatiada através da taxação de fundos para super-ricos e offshores, além de medidas de desoneração de folha de pagamento.
A justificativa pode funcionar para adiar o debate da pauta espinhosa em ano eleitoral que esvazia o parlamento. Mas deputados do PT e do PSOL com quem a coluna conversou reconhecem que a taxação dos fundos não faz nem cócegas sobre o tema – historicamente caro ao críticos da desigualdade.
Essa nova etapa afetará diretamente o poder econômico, que conta com muita gente para defendê-lo, inclusive na imprensa, além dos próprios parlamentares, seus parceiros e sócios.
O país vai viver meses de lobistas gastando sola de sapato nos gabinetes de deputados e senadores para encaixar os interesses dos setores que representam na regulamentação da primeira etapa da reforma. Não será uma batalha silenciosa porque usarão a mídia para tentar convencer que seu interesse é o de todos os brasileiros. Mas, ainda assim, a batalha será menor do que a tentativa de colocar os muito ricos no Imposto de Renda, promessa de campanha de Lula.
Isentos de serem tributados pelos dividendos que recebem, os super-ricos no Brasil pagam proporcionalmente menos impostos que os pobres (via consumo) e a classe média (via renda). Atenção a quem parcelou seu Renegade em 24 vezes: você não é super-rico, então pode baixar as armas que não estamos falando da sua situação.
Mesmo assim, sua condição privilegiada é defendida com unhas e dentes pelos terríveis Guerreiros do Capital Alheio, membros da classe trabalhadora que vão às últimas consequências para, patologicamente, defenderem os privilégios dos bilionários e multimilionários.
Estes rangem os dentes quando ouvem que a segunda etapa da reforma tributária deve discutir a volta a taxação sobre dividendos recebidos de empresas (abolida por Fernando Henrique em 1995) e reajustar da tabela do Imposto de Renda (buscando isentar a maior parte da classe média e criando alíquotas maiores, acima de 30%, para os que ganham muito).
Vale lembrar que o próprio então ministro Paulo Guedes, durante o governo Bolsonaro, propôs taxar dividendos. Em contrapartida, sugeriu reduzir o Imposto de Renda de Pessoas Jurídicas a fim de aumentar investimentos. Foi bombardeado.
O texto da primeira etapa da reforma aprovado pelos deputados e senadores aponta que caso uma nova taxação de renda gerar excedentes, eles podem ser usados para reduzir o custo da folha de pagamento e os tributos sobre o consumo. Pois é através do imposto pago na compra de produtos que os muito pobres, isentos do imposto de renda, contribuem proporcionalmente bem mais que os super-ricos.
Também de acordo com o texto já aprovado no Congresso, há a obrigatoriedade da progressividade do ITCMD, o imposto sobre heranças e doações – progressividade que já é adotada por parte dos estados. Mas isso não basta, pois ele continua com teto de 8%, enquanto as alíquotas chegam a 30% na Alemanha, 40% nos Estados Unidos, 45% na França e 50% no Japão. Taxar melhor as heranças, a grande meritocracia hereditária brasileira, é, portanto, outro tema para a segunda etapa.
Levantamento do Congresso em Foco entre deputados e senadores, divulgada em 31 de outubro do ano passado, aponta que são baixas as chances de aprovação da taxação de dividendos e de grandes fortunas. Sim, a reforma tributária pode vir a sair da agenda porque o poder econômico não quer tributada sua riqueza e renda.
A questão é que o governo, mesmo com todas as formas de “convencimento” através de liberação de emendas e concessão de cargos, não conseguirá aprovar essa medida sem a devida pressão popular.
Por isso, se a primeira parte da reforma tributária passou meio despercebida do cidadão comum, há grande chance dessa segunda entrar em nossa discussão cotidiana através de movimentos sociais, sindicatos, coletivos. O que faz sentido porque, a depender do que acontecer (ou não acontecer), está em jogo se queremos uma democracia saudável ou a lei do mais rico.[
Publicado originalmente no UOL
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