Por Renato Janine Ribeiro
Não podemos tapar o sol com a peneira: o governo e a esquerda foram derrotados nesta eleição por uma maioria significativa, se não esmagadora. Podemos encontrar algum alívio no fato de que o bolsonarismo também não teve um desempenho expressivo; os bolsonaristas mais radicais venceram em poucos lugares. Contudo, o que temos hoje no Brasil é um cenário político dividido em três grupos, por ordem de importância:
1. Uma direita conservadora, quase extrema, que está se afastando de Bolsonaro e foi a grande vencedora das eleições. Não chega a ser bolsonarista, mas tampouco é a direita democrática, que foi a do PSDB alguns anos atrás.
2. A extrema-direita bolsonarista, que conseguiu marcar posição, mas terminou em um distante segundo lugar.
3. A esquerda, particularmente vinculada ao governo petista, que teve um desempenho fraco, tanto em número de municípios conquistados quanto em votos obtidos.
Os dados já foram amplamente divulgados, e o essencial é entender a lição que essa derrota deixa para o governo e o setor progressista. O problema do governo não é apenas de comunicação, mas de conteúdo. Não se trata apenas da forma como a mensagem é transmitida, mas do que está sendo oferecido.
O esgotamento do modelo de inclusão via consumo
Durante os primeiros governos de Lula, a inclusão social por meio do consumo foi uma estratégia eficaz, permitindo que milhões saíssem da pobreza e da fome, ganhando dignidade. No entanto, esse processo foi revertido pelos governos Temer e Bolsonaro, e ainda não foi totalmente recuperado. Hoje, esse modelo já não é suficiente para atender às novas demandas da população.
A pauta do empreendedorismo conquistou espaço, mesmo sendo frequentemente criticada pela esquerda como ilusória. Em alguns casos, a esquerda tem sido agressiva, especialmente ao se referir de forma desrespeitosa aos trabalhadores que acreditam no empreendedorismo, como motoristas de aplicativos. Expressões pejorativas, como “pobre de direita”, não ajudam nada e demonstram uma falta de compreensão sobre o que atrai esses trabalhadores, além de desrespeitá-los.
O que a esquerda tem ignorado é que, para muitos desses trabalhadores, o empreendedorismo representa liberdade: a possibilidade de escolher seus horários e trabalhar sem um chefe pressionando constantemente. Esses elementos são atraentes e contrastam com a rigidez da CLT, que muitos trabalhadores passaram a rejeitar.
A questão do empreendedorismo e as eleições
Pesquisas mostram que muitos eleitores da extrema-direita, como os de Marçal, vêm das camadas mais altas da sociedade, e não dos pobres. Isso refuta a ideia de que a direita cresce principalmente entre as classes mais baixas. Além disso, o empreendedorismo tem aspectos positivos, e a rejeição total a essa pauta tem afastado a esquerda de uma parcela significativa da sociedade.
Nas eleições, Guilherme Boulos percebeu a importância do tema e abordou o empreendedorismo. No entanto, suas propostas não ressoaram entre os motoristas de aplicativos com quem conversei. Por exemplo, a ideia de criar pontos para carregar celulares foi considerada irrelevante por eles, já que a maioria carrega o celular no próprio carro. Da mesma forma, a sugestão de espaços para descanso e alimentação também não teve grande impacto, pois eles já utilizam padarias e outros estabelecimentos.
Talvez uma alternativa mais eficaz fosse investir em capacitação e treinamento para que esses trabalhadores possam melhorar sua atuação como autônomos, reforçando o desejo de independência e valorizando essa escolha.
O descontentamento com o governo e os desafios futuros
O descontentamento com o governo atual é evidente, e não há respostas simples para resolver essa questão. Há duas propostas em debate:
1. Radicalizar à esquerda, partindo da premissa de que a falta de radicalismo foi o motivo da perda de apoio popular.
2. Aproximar-se mais do centro, repetindo a estratégia que garantiu a vitória de Lula em 2022, quando votos centristas foram decisivos.
Essas propostas são conflitantes e incompatíveis. A ida para o centro foi essencial em 2022 para derrotar Bolsonaro. Agora, o desafio é descobrir qual estratégia será mais eficaz para o futuro da política brasileira.
Reflexão sobre a campanha de Boulos
Guilherme Boulos cresceu durante a campanha e teve um desempenho melhor no final, mas isso não foi suficiente. Ele terminou com praticamente o mesmo percentual de votos de quatro anos atrás, quando enfrentou Bruno Covas. Desta vez, competiu contra um adversário mais fraco, mas ainda assim não conseguiu vencer. Repetir a mesma estratégia pode não ser a solução. Não se trata de dizer que o nome de Boulos é ruim, mas há uma sensação de repetição, e talvez seja necessário buscar algo novo para as próximas disputas.
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