Brasil será justo quando polícia tratar o pobre como Carlos Bolsonaro. Por Leonardo Sakamoto

Atualizado em 30 de janeiro de 2024 às 20:39
Carlos Bolsonaro presta depoimento na Superintendência da Polícia Federal do Rio de Janeiro. Foto: Mauro Pimentel/AFP

Por Leonardo Sakamoto

É perturbador perceber que os mesmos perfis em redes e em aplicativos de mensagens que defendem esculacho da polícia em barraco de pobre em morros do Rio ou na Baixada Fluminense postam horrorizados sobre a busca e apreensão pela Polícia Federal na casa do vereador Carlos Bolsonaro em um condomínio na Barra da Tijuca.

A lei é a mesma e vale para todos, mas a busca e apreensão realizada pela PF, nesta segunda (29), no Vivendas da Barra, onde o vereador e o seu pai, o ex-presidente Jair Bolsonaro, têm imóveis, ao que tudo indica, foi realizada respeitando os pertences e a propriedade do investigado. O que é muito bom. Pois nem sempre isso acontece quando há o cumprimento de um mandado em uma comunidade.

Aliás, muitas vezes o pobre da comunidade nem está sendo investigado por nada e, mesmo assim, tem sua casa atropelada pelas autoridades porque vira o “suspeito miojo”, instantâneo. Deu azar de nascer no lugar errado, com a cor de pele errada.

“Cheguei há pouco em casa com muitas coisas reviradas e largadas abertas. Aos poucos reorganizando tudo”, publicou Carlos no X/Twitter.

Junto, um vídeo mostrando que a PF cumpriu a decisão judicial dentro da normalidade, ou seja, sem aloprar. Imagens mostram um cômodo com gavetas abertas, itens e caixas remexidas, mas nada que se assemelhe a um esculacho. Particularmente, já vi quartos de adolescentes mais desarrumados.

Carlos Bolsonaro é o principal nome da operação desta segunda que apura quais foram os beneficiários de espionagem ilegal conduzida na Abin durante o governo de seu pai. Na última quinta (25), o alvo já tinha sido o ex-diretor-geral da agência e, hoje, deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ).

Ramagem é investigado pelo uso sem autorização judicial do software First Mile, que monitora o deslocamento de alvos. A Polícia Federal também tenta descobrir se o governo Bolsonaro investigou desafetos de outras formas. E se ainda há vazamento de dados sigilosos no governo atual para membros do governo passado via Abin.

Por enquanto, o vereador é apenas investigado no caso, não tendo sido formalmente acusado, denunciado ou condenado. Mas seu pai e seus aliados atacam a PF, a PGR, o STF, uma vez que não aceitam que o bolsonarismo seja investigado por indícios de crimes que tenha cometido. Levam a sério aquela história de “mito”, colocando-se acima de tudo e de todos.

O caso da espionagem é grave e pode ter abastecido com informações o Gabinete do Ódio, uma estrutura montada nas dependências do Palácio do Planalto, com pessoas pagas pelo erário, para atacar adversários políticos, partidos, juízes, jornalistas. Carluxo é apontado como o responsável pelo bunker, inclusive pelo ex-faz-tudo de Jair, o tenente-coronel Mauro Cid.

Coincidentemente, ficamos sabendo, nesta terça (30), que a PF concluiu o inquérito contra o empresário Renato Cariani, indiciando-o pelos crimes de tráfico equiparado, associação para o tráfico e lavagem de dinheiro. Ele teria fornecido quantidades industriais de matéria-prima para a fabriçação de cocaína e crack ao narcotráfico.

Renato Cariani. Foto: Reprodução

Quando a Polícia Federal, a Receita Federal e o Ministério Público deflagraram a operação contra ele, em dezembro, parte das redes fez a festa com memes. A contradição de alguém que ganha dinheiro vendendo “saúde” ajuda a fabricar toneladas de drogas que destroem o organismo é digna de sarcasmo.

Cariani não é apenas próximo do bolsonarismo, como realizou uma de suas lives, que têm a maior audiência entre os marombados deste país, para ajudar Jair a conseguir votos em 2022. O então presidente usou o espaço para reafirmar a sua pauta naquele momento de campanha, de que ninguém passava fome por aqui.

Claro que tudo isso tem um impacto enorme para a sua imagem profissional, dissociando-a da ideia de saúde. Mas, como já disse aqui, Cariani recebeu um tipo de reação estatal e pública que é garantida principalmente aos brancos e ricos. Ou seja, críticas e investigações, mas com todos os direitos garantidos, inclusive, o de ser punido apenas após ser investigado, julgado e condenado.

Um negro e pobre com meia dúzia de papelotes de pó não recebe o mesmo tratamento social que brancos ricos flagrados desviando material para produzir 19 toneladas de crack e cocaína. Um é um traficante que merece ser esculachado, o outro um empresário que foi mal compreendido.

O Brasil vai ser um país mais justo quando toda polícia tratar negro pobre como tratou o Carluxo.

Publicado originalmente no UOL

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