Uma pesquisa realizada pelo Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS) e pelo Instituto Çarê revelou que, nos últimos 10 anos, homens negros no Brasil morreram quase quatro vezes mais do que homens brancos por disparos de arma de fogo. Os dados, que cobrem o período de 2012 a 2022, destacam uma realidade alarmante e evidenciam as desigualdades estruturais do país.
Segundo o estudo, 149.707 homens negros foram vítimas de disparos em vias públicas durante o período analisado, em contraste com 38.231 homens brancos que morreram pelo mesmo motivo. “O Boletim apresenta uma dura realidade já conhecida contra a população negra, representada por desigualdades nos dados de segurança pública, saúde, mortalidade e de internações hospitalares,” comentou Rony Coelho, pesquisador do IEPS.
A pesquisa revelou que jovens negros, especialmente aqueles entre 18 e 24 anos, são as principais vítimas de mortalidade por armas de fogo. Entre 2010 e 2021, as taxas de mortalidade dessa faixa etária foram ainda mais altas em comparação com jovens brancos. “As disparidades enfrentadas pela população negra em contextos de violência e saúde são profundas e multifacetadas,” destacam Rony Coelho e Manuel Mahoche, autores da pesquisa.
O ano de 2017 foi identificado como o mais letal no período analisado, com 17,6 mil homicídios de negros, em comparação com 4,1 mil homens brancos assassinados. Nesse mesmo ano, as mortes mensais por agressão, que incluem ferimentos por faca e violência física, também atingiram um pico, com 4 mil vítimas negras contra 1,1 mil brancas.
Além das mortes, os dados indicaram que a população negra é mais frequentemente hospitalizada devido a agressões. Em 2017, a média mensal de internações de homens negros por ferimentos de arma de fogo foi de 747, quase o triplo das ocorrências em 2012. Em 2022, a média caiu para 580, mantendo a média de mais de uma internação por dia de homens negros.
O estudo também mostrou a vulnerabilidade das mulheres negras. De 2012 a 2022, 13,6 mil mulheres negras morreram devido a disparos de arma de fogo, em comparação com 5,5 mil mulheres brancas.
Internações por agressões envolvendo objetos cortantes ou penetrantes também foram mais frequentes entre mulheres negras, com 10,3 mil casos documentados, contra 4,6 mil entre mulheres brancas.
“Evidências acadêmicas pautam o reconhecimento das desigualdades estruturais e históricas e revelam uma maior vulnerabilidade da população negra às agressões, manifestando-se em indicadores de saúde desfavoráveis e ressaltando a necessidade premente de políticas públicas e intervenções em saúde,” afirma o Boletim Çarê-IEPS.
O estudo observou um crescimento no número de prontuários que informam raça/cor, o que pode impactar no aumento de registros de internações de negros.
No final de 2012, cerca de 60% dos dados não informavam a raça/cor dos pacientes, proporção que caiu para 23% até o final de 2022. “A melhora na qualidade dos dados coletados e registrados pelo sistema de informação pode estar, ao menos em parte, contribuindo para explicar esse aumento,” explica o boletim.