Brasil vira réu em corte internacional após negar cirurgia de mudança de sexo

Atualizado em 28 de janeiro de 2024 às 10:46
Corte Interamericana de Direitos Humanos. Foto: Reprodução

A Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) julgará o Brasil por supostas violações dos direitos de uma mulher trans que teve a cirurgia de mudança de sexo negada pelo Hospital de Clínicas (HC) da Unicamp, em Campinas (SP).

Os procedimentos começaram em 1997, e sem solução nos tribunais brasileiros, a cabeleireira realizou a cirurgia de redesignação sexual em um serviço médico privado, em 2005. Mesmo assim, o caso foi encaminhado à Corte na tentativa de obter assistência médica adequada ao seu caso.

Segundo o advogado da brasileira, Thiago Cremasco, a Comissão Interamericana (CIDH) reconheceu a violação dos direitos humanos e fez recomendações ao Estado brasileiro. Diante da “falta de resposta adequada”, o caso será julgado pela Corte IDH.

A mulher trans, de 55 anos, busca indenização e o reconhecimento da violação de direitos pelo Estado.

A Advocacia-Geral da União (AGU) confirmou ao g1 que foi notificada da apresentação do caso, que ainda não tem data para o julgamento.

“Após o início do procedimento perante à Corte IDH, foi aberto prazo para que os representantes da vítima apresentem seu Escrito de Petições, Argumentos e Provas (EPAP), que consiste basicamente em uma peça de acusação contra o Estado. Este é o momento processual atual”, disse a AGU em nota. “Após o oferecimento do EPAP, será aberto prazo para o Estado apresentar sua contestação escrita. A AGU coletará subsídios e informações dos órgãos públicos envolvidos para apresentar a posição do Estado brasileiro”.

A mulher trans iniciou acompanhamento multidisciplinar para o procedimento em 1997. Segundo Cremasco, o pedido foi feito após o Conselho Federal de Medicina (CFM) autorizar, por meio da Resolução 1482/97, que hospitais públicos e universitários adequados à pesquisa pudessem realizar a operação.

Depois de quatro anos de espera, o HC da Unicamp passou a negar a cirurgia, levando a uma ação judicial em 2002. Diante da ausência de uma solução rápida, a mulher, por meio de empréstimos junto à iniciativa privada, realizou o procedimento em um serviço médico particular no ano de 2005.

Hospital de Clínicas da Unicamp, em Campinas (SP). Foto: Reprodução/EPTV1

“Com a realização da cirurgia em serviço médico particular, ela passou a ter muito mais qualidade de vida, no entanto, até hoje, sofre com a falta de assistência médica necessária e adequada às peculiaridades do caso”, destacou o advogado.

Segundo o Hospital de Clínicas da Unicamp, as equipes da época em que foi feito o pedido do procedimento não atuam mais. Além disso, apenas uma cirurgia de redesignação sexual foi realizada no final dos anos 1990.

A equipe médica de 1997 teria constatado que a paciente apresentava quadro de depressão, episódios de tentativas de suicídio e “transtorno de identidade sexual”.

Em abril de 1998, a cabeleireira teria passado por uma intervenção inicial de afirmação de gênero no hospital. Já em março de 2001, ela foi internada para modificar a aparência da laringe. Porém, a cirurgia foi cancelada por conta da ausência do anestesista.

O Estado brasileiro é acusado de violar os direitos estabelecidos nos artigos 5.1, 8.1, 11.1, 24., 25.1 e 26 da Convenção Americana de Direitos Humanos. São eles:

  • 5.1: Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua integridade física, psíquica e moral;
  • 8.1: Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei;
  • 11.1: Toda pessoa tem direito ao respeito de sua honra e ao reconhecimento de sua dignidade;
  • 24: Todas as pessoas são iguais perante a lei;
  • 25.1: Toda pessoa tem direito a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo, perante os juízes ou tribunais competentes, que a proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela constituição, pela lei ou pela presente Convenção.
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