Braskem, Vale, Casas Bahia: O lobby das empresas no jornalismo

Atualizado em 9 de dezembro de 2023 às 14:42
Região da mina 18 da Braskem, em Maceió, que apresenta risco iminente de colapso. (Foto: Reprodução)

Em setembro do ano passado, Marcelo Arantes de Carvalho, um dos vice-presidentes globais da Braskem, publicava em seu Linkedin: “Ontem a Braskem recebeu o prêmio Valor 1000, dado pelo Jornal Valor, como a melhor empresa do setor químico e petroquímico no mercado brasileiro. E tudo baseado na análise de informações financeiras e práticas de ESG, do ano de 2021, feitas por duas instituições.Tive a honra e prazer de ir receber este prêmio, muito feliz por estar por aqui há 12 anos com muita gente do bem e fazendo cada dia mais um trabalho sério para melhorar a vida das pessoas”.

Àquela altura a Braskem já havia sido obrigada a encerrar a exploração de sal-gema no subsolo de Maceió que provocou o desastre, ainda em andamento, responsável pela expulsão de 60 mil pessoas de suas casas, sujeitas a abalos sísmicos, que provocam a abertura de crateras e desabamentos que ameaçam gravemente o ecossistema da região.

Isso porque, além de perfurar em profundidade superior a 800 metros o subsolo cavernoso de uma cidade, trata-se de uma área de restinga, instável e ecologicamente vulnerável, que nunca deveria ter sido explorada, como declara há 4 décadas, sem manchetes nos jornais, o engenheiro e professor aposentado da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), Abel Galindo.

Foi o professor Abel um dos primeiros a dizer em alto e bom som que era da Braskem a responsabilidade pelo tremor de terra, sentido pela primeira vez em março de 2018, assim como as rachaduras nas casas e o afundamento do asfalto nos bairros que ficam acima das minas. A empresa sempre negou a responsabilidade óbvia, mesmo depois que um laudo do Serviço Geológico do Brasil (CPRM) comprovou, em maio de 2019, que a instabilidade do solo em Maceió foi provocada pela extração de sal gema da Braskem.

Mapa de Linhas de Ações Prioritárias, definido pela Defesa Civil de Maceió. Foto: Reprodução/Braskem

Só então os moradores de três bairros que conviviam com enormes fissuras em suas casas, temendo pelo desabamento, foram evacuados. A mineração ainda seguiu até novembro de 2019, quando enfim a Braskem desativou a extração, anunciando um prazo de 10 anos para preencher o solo esburacado.

A isso se deve a catástrofe do final do mês passado, que ampliou para cinco os bairros atingidos, além de ameaçar a Lagoa Mundaú e a restinga.

Um pequeno problema não considerado, ao que parece, na premiação do Valor de 2022. Nem pela imprensa de Maceió, incluindo as emissoras locais de TV, que sempre fizeram reportagens enaltecendo a empresa, como contou ao podcast “O Assunto”, a jornalista Lenilda Luna, da Ufal, que viu a exploração de sal gema começar em 1977, quando era criança, filha de um operário da mineração.

“Até 2018, a gente não tinha ideia de que a exploração de sal gema estava transformando Maceió em um queijo suíço. A impressão que eu tenho é como se a gente tivesse que conviver com esse monstro. Ele tava mais ou menos quieto, a Braskem investiu muito em responsabilidade social, e meio que a sociedade alagoana se acomodou e, talvez, nós jornalistas também”, diz a jornalista. Ela conta que a empresa criou um cinturão verde que as escolas visitavam, com criação de abelhas, educação ambiental e outros atrativos, sempre com cobertura da imprensa. “Era tudo lindo, tudo muito tranquilo”, completou.

A atuação perniciosa da Braskem, que esburacou o solo de uma capital densamente povoada, permaneceu em silêncio por 40 anos. Tempo equivalente ao que durou, sem ser revelado, o esquema de exploração sexual do fundador das Casas Bahia, Samuel Klein, finalmente investigado e publicado pela Agência Pública em 2021. O mesmo aconteceu em relação à Vale, por anos premiada como melhor empresa pelos jornalistas apesar das violações cometidas contra o ambiente e comunidades no Pará e no Maranhão, alvo do primeiro projeto de cobertura da Amazônia da Pública, em 2012.

Como se não bastasse o lobby de empresas – que inclui prêmios e patrocínio de treinamento para jornalistas, além de solícitas assessorias de imprensa e detalhados releases, prontos para publicação -, o bloqueio para investigar anunciantes (como sugerem os caso Klein, Vale e Braskem) e a invasão da publicidade através de conteúdos pagos enfraquecem ainda mais a linha entre campos que não deveriam se misturar jamais. Principalmente quando envolvem o interesse público.

Uma reportagem publicada nesta semana em nosso site pelos jornalistas Rafael Oliveira e Laura Scofield revela que dez grandes empresas jornalísticas – Globo, Folha, Estadão e por aí afora – veicularam conteúdo pago, em formato de reportagem, a favor dos vapes, cigarros eletrônicos consumidos sobretudo por jovens e proibidos no país, além de condenados por autoridades e pesquisadores por fazerem mal à saúde.

Quem mesmo está lutando contra a desinformação?

Originalmente publicado em Agência Pública

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