Publicado no Brasil de Fato
Por Vinícius Segalla
As recentes investidas da força-tarefa Operação Lava Jato contra o escritório do advogado Cristiano Zanin, autorizadas pelo juiz federal do Rio de Janeiro Marcelo Bretas, chamaram a atenção de juristas pela forma autoritária e distante da legalidade com que manipularam as atividades investigatórias das instituições públicas e as normas e garantias previstas na Constituição Federal e no Código de Processo Penal. Mas, em um ponto, todos os especialistas ouvidos pelo Brasil de Fato para a realização desta reportagem concordam: não causam nenhuma surpresa que ajam dessa maneira.
A atuação do juiz federal de primeira instância do Rio de Janeiro não apenas no caso envolvendo o escritório de advocacia que atende também o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas também em outros processos da Lava Jato e nas investigações envolvendo o governador afastado do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, de acordo com juristas ouvidos pela reportagem, são de mesmo teor e carregadas das mesmas crenças que moldavam a atuação do ex-juiz federal Sergio Moro, quando atendia na 13ª Vara Criminal Federal de Curitiba.
Trata-se de uma atuação politizada do Poder Judiciário, em busca de exercer um papel (ilegal) de juiz super-herói, que confunde a atribuição de julgador imparcial com a de justiceiro contra criminosos e/ou corruptos que age politicamente e atropela toda e qualquer garantia legal para alcançar este objetivo.
Veja, abaixo, os principais pontos de conflito entre a Lei e o fazer processual de Sergio Moro e Marcelo Bretas, e como essas práticas maculam a norma penal, as garantias individuais previstas na Constituição e o Estado de Direito.
1 – A parcialidade do juiz e o fim da equidistância processual
É entendimento pacificado em toda a legislação, doutrina e jurisprudência penal que um juiz, para julgar com neutralidade, deve se manter equidistante das duas partes em litígio em um processo judicial. No caso do processo penal, via de regra, as partes são o Ministério Público e o acusado.
Tanto Sergio Moro como Marcelo Bretas não observam este princípio. Os dois conduzem ou conduziam as investigações criminais a seu cargo se aproximando do órgão acusador, o Ministério Público Federal. No caso de Sergio Moro, tal fato ficou evidente com as revelações da Vaza Jato: o ex-juiz de Curitiba chegava ao requinte de sugerir a uma das partes o melhor procurador para atuar neste ou naquele processo.
Já o juiz Bretas revela sua parcialidade na forma como acata todos os pedidos de prisão preventiva ou outras medidas cautelares solicitadas pelo MPF, enquanto rejeita sistematicamente os pleitos da Defesa nos processos, como para a produção de provas técnicas ou oitiva de testemunhas.
“Existe uma semelhança muito grande entre a atuação do Marcelo Bretas e do Sergio Moro. Ambos têm uma veia inquisitória, uma crença em um processo inquisitorial. O nome inquisitorial deriva justamente da Santa Inquisição, quando os julgamentos eram feitos pela Igreja Católica e se buscava justamente a punição do acusado, com o juiz e o acusador sendo a mesma pessoa”, explica André Lozano Andrade, advogado criminalista sócio do escritório Jacob Lozano e professor de Direito e Processo Penal.
O especialista aponta a inconveniência de se adotar semelhante postura em uma democracia. “Veja só, era um juiz que desejava que o acusado fosse condenado, que tinha interesse na sua condenação. Obviamente, a imparcialidade, nesse caso, não existia”, afirma Lozano, que também é coordenador do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim) e conselheiro de Prerrogativas da OAB/SP.
2 – O juiz super-herói e a espetacularizacão do processo penal
Tanto Sergio Moro como Marcelo Bretas constroem uma imagem de um juiz que atua como defensor da sociedade contra a corrupção e os males advindos da criminalidade. A figura arquetípica até poderia ser utilizada – embora nem nesses casos seja recomendável – por delegados de polícia, promotores e procuradores do Ministério Público, que têm por função investigar atos criminosos e processar seus autores, em busca das punições previstas em lei.
Um juiz de Direito, por sua vez, de nenhuma maneira poderia investir-se dessa atribuição alegórica. Um magistrado não é um caçador de bandidos ou corruptos. A um juiz, cabe simplesmente julgar, no âmbito de um processo judicial, se as provas apresentadas pelo órgão acusador são suficientes para justificar uma condenação, sempre após a instalação do devido processo legal e à observação do direito a ampla defesa.
“Os dois (Moro e Bretas) encarnam a figura do juiz super-herói. O juiz super-herói, no imaginário popular legitimado pelo discurso dos grandes veículos de comunicação, é deturpada. Eles utilizam do cargo que exercem para atuar como militantes políticos e ideológicos”, pondera Fernando Hideo Lacerda, advogado, doutor em Direito e professor da Escola Paulista de Direito, que completa:
“A função do magistrado, que deveria ser a de um árbitro, que assegure as garantias individuais aos réus e analise a hipótese acusatória, não acontece. Tanto com Moro como Bretas, o que se vê são processos políticos camuflados como se processos judiciais criminais fossem.”
3 – O uso ilegal da prisão preventiva como forma de tortura e ato de coerção
Assim como fazia Sergio Moro, o juiz Bretas permite que se faça uso da prisão preventiva como forma de pressão e coação física, visando a obtenção de confissões e assinaturas de contratos de delação premiada.
A prisão preventiva de um réu só pode acontecer se estiverem presentes as razões que a motivam previstas em lei, como, por exemplo, risco de fuga do processo, destruição de provas ou ameaça a testemunhas.
Mas, no âmbito da Operação Lava Jato, tanto em Curitiba como no Rio de Janeiro, os juízes responsáveis pelos casos autorizaram prisões sem que estivessem presentes esses requisitos legais, com o objetivo único de pressionar o acusado, levando-a a uma confissão imposta e negociada com o Ministério Público, via de regra acompanhada de uma delação que envolva um alvo político da acusação.
É o que explica o advogado criminalista Anderson Lopes, mestre em Direito Penal pela USP e causídico atuante na Operação Lava Jato, como advogado de Defesa de acusados e denunciados pela força-tarefa. “De maneira alguma a Constituição ou a lei processual penal amparam a visão de que a prisão preventiva é utilizada como forma de obter delações premiadas. Isso é algo totalmente inconstitucional. A prisão cautelar tem uma função muito específica. A gente pode até considerar isso uma forma de tortura moderna, seja ela física ou psicológica”.
4 – A criminalização da advocacia e o uso do processo como ferramenta de perseguição política
Bretas e Moro autorizaram ações policiais, instalação de escutas, buscas e apreensões contra escritórios de advocacia que atuavam em defesa de réus e acusados da Operação Lava Jato.
Em que pese não existir determinação legal que impeça ações policiais contra advogados, há uma série de princípios e normas legais que buscam proteger a atividade advocatícia contra investidas autoritárias do Estado. O motivo é óbvio: se o Estado passa a acossar aqueles que defendem determinado acusado, quem irá se dispor a defendê-lo sem temer?
No mais recente caso dessa natureza, o juiz Bretas determinou buscas e recepcionou acusações contra o escritório do advogado de Lula, Cristiano Zanin, sob a justificativa de que teria recebido pagamentos indevidos da Fecomercio-RJ, que na realidade seriam pagamentos de propinas travestidos de honorários.
A comunidade jurídica nacional se espantou ao tomar conhecimento da inconsistência das provas apresentadas pelo MPF para tanto, ainda mais quando o escritório de Zanin apresentou auditoria independente mostrando a idoneidade de todos os pagamentos.
“Nessa operação, em especial, foi cometida uma grande injustiça contra o doutor Zanin, que comprovou nos próprios autos, através de uma auditoria independente com farta documentação comprobatória, que não havia nenhuma irregularidade em sua atuação”, conta Marco Aurélio de Carvalho.
advogado que coordena a defesa tributária de Fábio Luís Lula da Silva e sócio fundador do Grupo Prerrogativas e da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD).
De acordo com o jurista, “fica evidente que existe em relação ao advogado do ex-presidente uma tentativa de perseguição, de desviar o seu foco do trabalho que desenvolve”.