Bacurau é uma bela metáfora do Brasil que resiste, e vence. Por Tertuliano

Atualizado em 2 de setembro de 2019 às 6:54
Bacurau (Foto: Divulgação)

 

A película inicia-se com o velório de Dona Carmelita, matriarca da comunidade, que carrega  consigo toda a história do lugar.

O enredo se passa em uma cidade homônima, que literalmente desaparece do mapa e é invadida por invasores amparados por armas e equipamentos de alta tecnologia, mas são rechaçados por seus moradores que vivem de forma de solidária e aprenderam a transformar sua invisibilidade em força e estratégia.

Esta obra cinematográfica é uma distopia alegórica e está recheada de metáforas sobre a situação política por que passa o nosso país atualmente e ainda nos possibilita fazer diversas leituras associadas a este recorte histórico.

Poucos se deram conta do que estamos vivendo desde as “jornadas de junho” de 2013, passando pela deposição da presidenta Dilma Roussef, o nefasto governo Temer e a eleição de Jair Bolsonaro.

“É um filme sobre resistência histórica”, assinala o diretor Juliano Dornelles.

Kleber compara ao levante do Gueto de Varsóvia, onde os judeus, conscientes do que os esperavam nos campos de concentração, revoltaram-se contra os nazistas e morreram lutando. “Bacurau não é apenas um segmento da nossa imaginação, é resultado de algumas observações que fizemos sobre o Brasil e nossa região”, arremata.

Bacurau é um gueto simbólico onde o cerco se fez não com muros, mas com a supressão de elementos básicos para a sobrevivência dos seus moradores; primeiro com o ataque ao carro pipa que abastece o local, sendo este todo perfurado por balas, depois o corte do sinal de internet, seguido pelo corte da energia elétrica e por fim a invasão.

Podemos ainda fazer uma associação com o que ocorreu em Canudos em 1896/97, mas em neste caso a história se inverte e são seus habitantes quem derrotam os invasores.

A princípio não fica claro o porquê da invasão por snipers estrangeiros, a razão de ser, mas tudo é fruto de um pacto feito com o prefeito do lugar; este simbolismo é muito atual, no momento em que as nossas riquezas estão sendo entregues aos yankees.

Uma das questões mais marcantes levantadas é a crescente banalização da violência, onde a idéia do armamentismo desemboca sempre em tragédia e que vem sendo incentivado no momento pelo planalto.

A trama é cheia de surpresas, não existe um protagonista único, o herói problemático, numa concepção Lukacsiana. Por mais premonitórias que são as cenas iniciais, elas só se completam no segmento final.

O que acontece em Bacurau é a tentativa da ocupação do espaço pelos mais poderosos.

A população local envolveu-se completamente na produção, inclusive com a participação de dezenas de figurantes, o que nos faz lembrar o – Teatro do Oprimido – do memorável Augusto Boal e isto sucinta para mim a seguinte questão, será que está nascendo o cinema do oprimido?

Há um momento forte no final em que a lista dos mortos no confronto é anunciada e entre eles estão o nome de três moradores que nos chamam bastante a atenção e são Marisa Letícia, Mariele e João Pedro Teixeira, líder das ligas camponesas da Paraíba assassinado em dois de abril de 1962, a mando do latifúndio.

Pra fechar a trama, uma canção do também paraibano Geraldo Vandré, “Réquiem para Matraga”, com o emblemático verso: “Se alguém tem que morrer que seja pra melhorar.”

Mas uma vez a Paraíba se irmana com Pernambuco, tendo seis atores e atrizes compondo o elenco.  Buda Lira, Suzy Lopes, Thardelly Lima, Ingrid Trigueiro, Jamila Costa e Danny Barbosa, além do continuista Ian Abé. Estes estados estiveram unidos em dois momentos de nossa história, em 1817 na Revolução Pernambucana e na Confederação do Equador em 1824.

Em Bacurau só existem duas opções: lutar e morrer ou lutar e vencer.

“Você que não me entendeu, não perde por esperar”, canta Geraldo Vandré.