Busca de ivermectina contra dengue é legado negacionista da Era Bolsonaro. Por Leonardo Sakamoto

Atualizado em 7 de fevereiro de 2024 às 9:43
(Brasília – DF, 16/09/2020) Durante a posse do ministro da saude o presidente Jair Bolsonaro mostra uma caixa do remedio Hidrocloroquina.Foto: Carolina Antunes/PR

Por Leonardo Sakamoto

Bolsonaro deveria se orgulhar: a busca por ivermectina para o tratamento da dengue, o que é ineficaz, além de ser perigoso para a saúde, é mais um legado de seu governo.

O remédio para parasitas entrou no vocabulário nacional durante a epidemia de covid-19, quando o então presidente da República incentivou o uso do medicamento para prevenir a doença em lives e entrevistas, o que também era inútil e arriscado. Queria, com isso, forçar as pessoas a voltarem à vida normal enquanto morriam mais de 4 mil infectados por dia.

Jair foi respaldado nesse comportamento criminoso por médicos que perderiam o registro profissional caso o Conselho Federal de Medicina não tivesse agido como um puxadinho do bolsonarismo. Ao mesmo tempo, as atitudes que ele tomou empoderaram esse pessoal que, agora, sente-se livre para insistir.

Não por coincidência, grande parte das recomendações tanto da ivermectina para tratamento da dengue quanto contra a covid-19 parte de médicos que não tem especialidade na área, ou seja, não são infectologistas, nem virologistas.

“Não há evidência cientifica ou estudo comprovando eficácia para o tratamento de dengue com ivermectina. Infelizmente, não há uma droga antiviral efetiva para o tratamento da dengue ate o momento”, afirmou à coluna Marcelo Litvoc, médico infectologista do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo.

“Antes, era possível fazer a prevenção, agora temos uma vacina. Fora isso, apenas o tratamento de suporte, com hidratação e alívio de sintomas. E, como todos os remédios, o uso errado pode ter efeitos colaterais graves”, completa.

Durante a pandemia, pacientes tiveram casos de hepatite medicamentosa após se medicarem com o “kit covid”, que incluía a ivermectina. Com isso, precisaram de transplante de fígado.

Por conta da recomendação desse medicamento para a dengue por certos médicos, e o aumento da busca por ele em farmácias, o Ministério da Saúde teve que vir a público para desmentir o boato.

“Para ficar claro: a ivermectina também não é eficaz em diminuir a carga viral da dengue. O Ministério da Saúde não reconhece qualquer protocolo que inclua o remédio para o tratamento da doença. Disseminação de fake news, principalmente quando se trata de um cenário epidemiológico que pede atenção, é extremamente perigoso”, diz o site do ministério.

“Para quem não lembra, o medicamento foi defendido na época da pandemia da covid-19 como parte de um tratamento precoce de combate à doença, porém sem nenhuma eficácia comprovada”, reforça.

O faturamento da Vitamedic com a venda de ivermectina, usada erroneamente no tratamento da covid-19, saltou de R$ 15,7 milhões, em 2019, para quase R$ 470 milhões em 2020. O laboratório admitiu que não fez estudos para atestar a eficácia do produto (originalmente contra sarna, vermes e piolhos) contra a covid, mas, mesmo assim, gastou R$ 717 mil em anúncios que defendiam a mentira de que tratamento precoce com ivermectina funcionava.

A sabotagem perpetrada por Bolsonaro nas medidas de combate à doença (ridicularizando vacinas, atacando isolamento social, promovendo a fraude do kit covid, que incluía o medicamento) facilitou o óbito de milhares, mas também permitiu que muita gente faturasse um bom cascalho.

E não eram apenas as lives e entrevistas macabras do então presidente. O então Ministério da Saúde e, hoje, deputado federal, Eduardo Pazuello (PL-RJ) enviou terraplanistas biológicos para pressionar a Prefeitura de Manaus a distribuir hidroxicloroquina e ivermectina. E deixou de monitorar um insumo que realmente faria a diferença, o oxigênio. Com isso, uma catástrofe atingiu a cidade e muitas pessoas morreram sufocadas.

Na esmagadora maioria dos casos, nosso sistema imunológico é capaz de dar conta tanto da covid-19 quanto da dengue, produzindo anticorpos e eliminando os vírus. Ao apontar um remédio ineficaz como solução, o ex-presidente e médicos irresponsáveis, na verdade, tentam roubar o mérito por algo que o organismo já faria por conta própria.

E isso cola em uma parte desavisada da população. Afinal, o que tem mais a cara de ser responsável por vencer uma guerra contra uma doença grave: estruturas microscópicas que cada um tem dentro de si, os glóbulos brancos, ou um produto milagroso que é alvo de elogios semanais do então presidente?

Ah, mas tem os que morrem? Bem, como o próprio Jair dizia sempre, todo mundo morre um dia.

A questão é que a ivermectina também tem efeitos colaterais. E pessoas tiveram problemas no fígado por conta do uso de um medicamento receitado, de forma charlatã. E mais pessoas podem ter agora, durante a atual crise de dengue.

Isso reforça que o legado do bolsonarismo vai muito além de tentativas de golpe de estado, ataques às instituições públicas, desvio de joias do patrimônio público e mais de 700 mil mortos na pandemia. Também fez com que o terraplanismo científico viesse para ficar.

Originalmente publicado na coluna de Leonardo Sakamoto, no Uol

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