Eu nunca ouvira falar na Banda Fly até que a internet fosse bombardeada com as declarações racistas de seus integrantes na revista Atrevida. Me parece que é mais uma banda adolescente composta por garotos jovens, brancos, bonitos e abastados socialmente: o retrato das febres musicais adolescentes desta geração.
Um dos integrantes, Caíque Gama – que ganhou notoriedade considerável pela primeira vez, e da pior maneira possível – disse que tranças são a salvação para quem tem “cabelo ruim”. Todos os integrantes da banda riram.
Como se não bastasse, o vocalista Paulo declarou: “Às vezes posto foto sem camisa, então quem sou eu pra julgar? Acho legal, mas a menina deve se portar como menina.” Ele só esqueceu de explicar o que significa ~se comportar como uma menina~ e de onde ele tirou que meninas são obrigadas a se comportar desta ou daquela maneira.
Ainda mais preocupante do que saber que pessoas com esse tipo de pensamento têm uma legião de jovens fãs em todo o país, é saber que a declaração de Caique não representa um racismo velado: é uma das declarações racistas mais estarradas e infelizes que se pode fazer. Beira o clichê.
Ainda assim, ele foi defendido com unhas e dentes por centenas de fãs – inclusive negras. “Olhe essa foto do Caíque com uma negra. Ele parece racista?” – postou uma das fãs. Mais uma tonelada de alienação.
O mais esdrúxulo é que a banda Fly – que, ao que me consta, é sucesso absoluto no público adolescente – não é uma exceção. Não só a música, mas também a indústria da moda, midiática e televisiva têm representantes cada vez menos politizados. Pessoas que ditam moda e padrões de comportamento para nossas crianças e adolescentes e banalizam comportamentos racistas, machistas e eivados de uma gama de preconceitos, enquanto a mídia e a família tradicional brasileira assistem de braços cruzados.
Não é a primeira vez que revistas adolescentes como a Atrevida dão um show de preconceito, hipocrisia e alienação. Durante as manifestações de junho de 2013, o destaque da revista Capricho eram os looks mais certeiros para conquistar “aquele gatinho manifestante.”
Fica explicado por que nossas adolescentes acreditam que conquistar um homem é mais importante que se preocupar com o próprio futuro e o futuro de seu país, que meninas precisam ‘se comportar como meninas’ e cabelos crespos são ruins. A mídia constrói, apresenta e endeusa grandes professores no quesito alienação.
Enquanto a mídia brasileira não der espaço a uma arte comprometida com questões políticas e sociais, que não se contente em ser modelo de beleza pop, é assim que a nossa juventude verá questões importantes como estas. Enquanto a beleza e o modismo precederem o talento e o engajamento político como requisitos para o sucesso fabricado pela mídia nacional, a arte não poderá cumprir seu papel de conscientização na vida de nossos jovens, e não há nada que possamos fazer a respeito.
Não satisfeito com o espetáculo racista circulando nacionalmente, e em plena efervescência adolescente de quem está sempre com a razão, Caíque Gama não se retratou e respondeu às acusações de racismo através de seu Twitter: “Que porra é essa que ta todo mundo me xingando porque eu falei mal de cabelo ruim, oi?”
Parece que resistência ao racismo e o fortalecimento negro é algo totalmente alheio à mentalidade prematura do garoto. Pois é, Caíque, o mundo não tolera o seu racismo, acostume-se. Aqui nós não conhecemos cabelos ruins – chamamos de cabelos crespos, que não precisam ser escondidos ou ‘salvos’ por tranças. Ruim é que alguém como você ainda possa ser ouvido.