Foi o tempo de um jogo de futebol, 90 minutos. Aliás, bem ao gosto dele, Lula, que entrou no ambiente dando saudações corinthianas à eclética plateia de 40 pessoas que o aguardavam, no segundo andar do Palácio do Planalto. O presidente estava bem disposto e tinha um sorriso largo no rosto quando sentou na cabeceira do retângulo de mesas colocadas, umas ao lado das outras, onde estava servido um café da manhã com suco, pães, frutas e frios para os convivas. Falou de quase tudo: Banco Central independente, militares, Bolsonaro, combate à fome, yanomamis, Joe Biden, política, Cuba, Venezuela, saúde pública, Eletrobrás e educação integral.
Ao lado dele, o ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, Paulo Pimenta, e o secretário de imprensa, José Chrispiniano. Janja, a primeira-dama, chegou um tempo depois e sentou-se à esquerda do marido. Todos os demais, nos lados e na frente, eram jornalistas, blogueiros, youtubers e influencers convidados para o reencontro de Lula com aquilo que se convencionou chamar de “mídia independente” – com essas aspas que tanto podem significar a apresentação ordinária de um conceito, como uma indicação pejorativa cada vez mais comum na mídia “profissional” – essa autodefinição que beira o ridículo vindo de quem vem, uma trupe de funcionários do sistema financeiro acolhida em redações de fachada.
Lula, claro, compreende esse jogo de espelhos e sabe que ele só será encerrado quando não houver mais divisão, nem de espaço nem de refeições, entre essas duas mídias destinadas a se encontrar, a “independente”, que depende de muita coisa, e a “profissional”, que vive na fantasia da imparcialidade enquanto representa os interesses do mercado. Este, aliás, que Lula fez questão de lembrar que fica nervoso quando o governo aumenta dois reais no salário mínimo, mas se cala diante de um desfalque de 40 bilhões de reais nas Lojas Americanas.
Não deu, claro, para todo mundo fazer perguntas (eu tentei, mas, aparentemente, o DCM não dá sorte), mas as várias questões que chegaram a ser feitas deram a oportunidade de Lula, em um ambiente favorável, dissertar com tranquilidade por uma dúzia de temas que resumem o esforço de guerra dos últimos 30 dias – nesta quarta-feira, 8, completa-se um mês desde os ataques de vândalos bolsonaristas aos prédios da Praça dos Três Poderes.
Lula bateu duro em Bolsonaro, a quem acusou de cooptar as Forças Armadas para o desgoverno de quatro anos pautado, basicamente, por aspirações golpistas. Chamou de “leoninas” as regras impostas pelo ex-presidente para interditar a participação do governo na Eletrobrás, privatizada em junho do ano passado. Levantou dúvidas sobre as razões para o Banco Central independente, comandado pelo neoliberal Roberto Campos Neto, ter aumentado os juros para 13% (um escárnio, obviamente, com o número eleitoral do PT). Avisou que vai propor a Joe Biden, presidente dos EUA, a quem visitará em breve, a criação de um G20 para combater fake news pelo mundo. E reforçou a sua missão de vida: acabar com a fome no Brasil.
Mais do que trazer notícias, Lula aproveitou o encontro para fazer um gesto de gratidão a um pequeno exército de profissionais que nunca hesitou em chamar de golpe o processo que redundou no impeachment fraudulento da ex-presidenta Dilma Rousseff. Uma força contra hegemônica que, nos últimos seis anos, acumulou cicatrizes para evitar que a Lava Jato, gestada e alimentada no ventre do Grupo Globo e quejandos, nos tornasse uma sociedade delirante. Os partisanos que sobreviveram à Era Bolsonaro acossados por oficiais de Justiça e pelo ódio insano das hordas bolsonaristas nas ruas, no trabalho, nas redes sociais.
Só falta, agora, acabar com os rótulos e dar o passo adiante, colocando “independentes” e “profissionais” no mesmo balaio da vida real.
Reunir, enfim, a zona norte à zona sul.