Caio Castro, Rafa Kalimann e a LGBTfobia à brasileira. Por Nathali Macedo

Atualizado em 31 de maio de 2021 às 18:52
Caio Castro e Rafa Kalimann

O ator Caio Castro e a apresentadora Rafa Kalimann têm sido assunto nas redes sociais desde ontem após compartilharem um vídeo em que um pastor convidado para o  o “Programa Raul Gil” diz não ser “a favor do relacionamento” entre pessoas do mesmo sexo.

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“Eu vivi com um cara que era meu irmão, e ele era gay. Ele tinha uma situação [financeira] melhor que a minha. Eu usava o tênis dele, as roupas dele. Eu não tenho problema nenhum. Eu tenho valores, não vou abrir mão deles. Se você me perguntar se eu acho certo, eu não acho. Mas isso não nos torna inimigos”, diz o pastor Cláudio Duarte no trecho compartilhado pelos dois acéfalos numa tentativa de militar pela causa LGBTQ+ – novidade? – mas que acabou por revelar uma face muito comum do que vou passar a chamar de “LGBTfobia à brasileira.”

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“Não tenho nada contra gays, até tenho amigos que são” é um clássico do jeitinho brasileiro de odiar pessoas LGBTQ+. Com o (recentíssimo) aprofundamento do debate sobre LGBTfobia no mundo, os discursos de ódio escancarados têm, forçosa e hipocritamente, se transformado em uma homofobia velada que parte da premissa de que não atacar pessoas LGBTQ+ é suficiente pra se dizer apoiador da causa.

Mesmo no Brasil, onde um governo declaradamente LGBTfóbico e fundamentalista autoriza simbolicamente o discurso de ódio contra LGBTs, eufemismos como este são comuns entre as pessoas que desejam minimamente esconder a prodridão de seus preconceitos.

O discurso do tal pastor – que ilustra perfeitamente a “LGBTfobia à brasileira” é perigoso em tantos níveis que fica difícil saber por onde começar: primeiro, ninguém tem o direito de julgar certas ou erradas as escolhas sexuais alheias.

Acha errado fornicar com pessoas do mesmo sexo, pastor? Não faça. Expressar a sua opinião preconceituosa dizendo que julga “errado”, mas respeita, é, por si só, uma violência, afora o fato de ninguém ter perguntado – num Brasil pós-apocalíptico dominado por fundamentalismo e milícias pode não parecer, mas os orifícios alheios não são oficialmente pautas coletivas. Respeitar é o mínimo, e não é nada mais que a sua obrigação.

Segundo: a questão também não é se você mantém ou não amizade com pessoas LGBTQ+. Se as relações afetivas e sexuais dos outros são pra você um critério de escolha de amizades, é um problema seu. Os gays, lésbicas, trans, travestis e bissexuais não estão em um reality show pra fazer amizades: respeito é tudo o que exigimos.

O que os fundamentalistas e LGBTfóbicos velados têm chamado de respeito, aliás, não nos contempla: respeitar LGBTs não é apenas se abster de matá-los. É, entre outras coisas, deixar de pensar que suas escolhas afetivas têm a ver com sua conduta moral sendo portanto passíveis de serem julgadas como “certas” ou “erradas”.

Rafa Kalimann apagou a publicação depois da repercussão negativa – um clássico da geração do cancelamento – e se desculpou com um tweet: “Compartilhei pra chegar nas pessoas que tratam mal os LGBT por conta da religião. Entendo completamente o ponto de vista de vocês”, explicou.

Amiga, burrice tem limites.

As pessoas “tratam mal” aos LGBTs – o que muitas vezes significa literalmente matá-los – justamente graças a discursos como este, que naturalizam o julgamento moral público da vida privada, bem à moda dos fundamentalistas fiscais de furico.

Afora a justificativa lixo apresentada, de fato a apresentadora sofreu muito mais intensamente os efeitos do cancelamento pós-cagada do que o ator Caio Castro, embora ambos tenham compartilhado o mesmo vídeo, e no mesmo dia.

Talvez seja porque ela está sob os holofotes graças ao seu programa ridículo na globo – e como o ridículo é capaz de gerar cliques! – ou é só o bom e velho machismo enraizado que faz com que esperemos muito mais das mulheres do que dos homens, inclusive moralmente.

O fato é que Caio Castro não se deu ao trabalho de se desculpar com seu público – apagou o post e seguiu a vida como se nada tivesse acontecido, e, convenhamos: são tempos em que poucos podem se dar a esse luxo.

E tudo bem se você não se importa com Rafa Kalimann e Caio Castro – eu me importo menos ainda e só vim pelos memes. Mas você ainda pode compartilhar esse texto só pra deixar claro – aparentemente, ainda não está – que a homofobia velada também não passa despercebida por pessoas inteligentes, e que, mesmo num país de trevas e segregação, não se admite ser “contra” ou “a favor” das escolhas íntimas dos outros: quando não for na sua cama, você só cala e respeita.