Originalmente publicado em SPUTNIK
Por Ana Livia Esteves
Ideias de extrema direita estão cada vez mais populares dentre membros das forças de segurança de países como Alemanha e EUA. Qual é o risco que isso representa e como está a situação no Brasil?
Os últimos anos foram palco para o aumento significativo no número de atentados terroristas cometidos por apoiadores de ideias de extrema direita ao redor do mundo.
Os ataques cometidos por Anders Breivik na Noruega, que deixaram 77 mortos, seriam somente o início de uma tendência sombria que hoje ameaça grande parte do mundo ocidental.
Nos EUA, assassinatos na sinagoga de Pittsburgh em 2018 e na igreja de Charleston em 2015 são somente alguns dos vários ataques dirigidos contra imigrantes, negros e pobres do país.
Para proteger as populações de mais essa ameaça, é necessário que tenhamos forças de segurança preparadas.
Mas o que acontece se essas ideologias extremistas estão infiltradas dentro das próprias polícias? A quem os cidadãos poderão recorrer em caso de abuso?
Esse é exatamente o dilema em que países como a Alemanha e os EUA se encontram.
Na potência europeia, o ministério da Defesa identificou 20 extremistas em uma de suas unidades antiterroristas de elite, suspeitos de desviar nada menos do que 48 mil cartuchos de munição e 61 quilos de explosivos dos arsenais públicos.
Um grupo de soldados neonazistas estaria inclusive se preparando para o momento do “colapso apocalíptico” da ordem no país, para o qual teriam providenciado centenas de sacos mortuários e levantado dados de cerca de 25 mil políticos favoráveis à recepção de imigrantes, de acordo com a revista Foreign Affairs.
Nos EUA, a invasão da sede do Congresso do país, no dia 6 de janeiro, reascendeu o debate sobre infiltração de ideologias radicais nas forças policiais.
Muitos comentaristas contrastaram o uso massivo de bombas de efeito moral e detenções de manifestantes em passeadas do movimento Black Lives Matter, com uma aparente apatia da polícia enquanto manifestantes de extrema direita vandalizavam o edifício do legislativo nacional.
Forças de segurança norte-americanas são acusadas de conivência com a ação de grupos de extrema direita, evitando reprimir as suas ações ou mesmo incentivando-as.
Em 2017, a polícia da cidade de Portland teria permitido que uma milícia armada de extrema direita, a chamada Força de Segurança III%, prestasse auxílio a uma operação policial que levou à prisão de um manifestante de esquerda, reportou o Business Insider.
No entanto, a ampla cobertura da invasão do Capitólio tem aparentemente auxiliado grupos armados de extrema direita dos EUA a recrutarem novos membros para suas fileiras.
“Muitas pessoas estão interessadas em buscar nossos grupos patriotas nesse momento”, teria dito o líder do grupo Força de Segurança III%, Chris Hill, ao jornal USA Today.
O estado norte-americano torce para poder contar com a lealdade da sua Guarda Nacional e evitar que cenas como a do dia 6 de janeiro e repitam na posse do presidente eleito do país, Joe Biden.
Brasil
No Brasil, ideias de extrema direita e de “usar a violência acima de tudo” também se infiltram nas forças de segurança.
“Cada vez mais vemos uma proximidade ideológica entre os policiais e a pauta de extrema direita”, disse a pesquisadora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Betina Barros, à Sputnik Brasil.
Segundo ela “existe um conjunto de fatores que faz com que policiais […] tenham afinidades maiores com a pauta da extrema direita, e isso fica muito personalizado com o [presidente do Brasil, Jair] Bolsonaro, no chamado ‘bolsonarismo'”.
“Bolsonaro agregar como personalidade várias pautas que a Polícia Militar entende como importantes […] como a ideia de uma segurança pública de enfrentamento do inimigo […] e de uso da violência para resolver o problema da Segurança Pública”, explicou Barros.
No entanto, o apoio à agenda da extrema direita por policiais ainda estaria localizado a nível individual, e não da corporação como um todo.
“Claro que é possível que existam contatos mais institucionais, mas nada que possamos dizer que a ação da corporação esteja voltada para a proteção do Jair Bolsonaro”, assegurou a pesquisadora.
No entanto, ela lembra que o presidente tem bom trânsito com membros das polícias militares de todos os estados.
“Bolsonaro tem muitos amigos e pessoas próximas que estão nas polícias e se dizem apoiadores, políticos que são ex-policiais, aposentados ou não, então é claro que isso abre portas”, disse Barros.
Um fenômeno de destaque no Brasil é o da politização da polícia, com aumento significativo do número de candidatos da corporação nas eleições para cargos eletivos desde 2018.
“Durante as eleições municipais de 2020, tivemos cerca de 800 vereadores policiais […] e algo em torno de 50 prefeitos eleitos, o que representa 10% de todos os que foram candidatos”, revelou Barros. “Essa é uma margem alta para uma categoria profissional.”
A eleição de candidatos policiais não é em si um problema para a democracia brasileira, desde que opiniões políticas particulares não “venham em alguma medida a influenciar a própria ação da polícia”, explicou a pesquisadora.
Além disso, os policiais gozam de alguns privilégios para se candidatar a cargos públicos que, segundo ela, deveriam ser rediscutidos.
“Diferente de outros cargos de servidores públicos, o policial que tem mais de dez anos de carreira não precisa se exonerar para se candidatar”, disse Barros. “O promotor de justiça, por exemplo, precisa […] deixar o seu cargo para se candidatar. Se ele perder a eleição ele não tem como retornar.”
“Agora o policial com mais de dez anos de carreira pode retornar […] então é muito fácil para ele usar a candidatura não tanto como uma forma de entrar na vida política, mas para se politizar dentro da corporação”, relatou Barros.
Para mitigar a influência de posições políticas de oficiais ou praças na corporação, Barros acredita ser necessário aprimorar controle social das polícias.
“Nos últimos anos a gente tem dado cada vez mais autonomia para as polícias […] o que dificulta tanto o controle dessa politização e da ideologização da ação policial, quanto na organização das operações”, argumentou Barros.
Segundo ela, “o controle é bom inclusive para o policial, uma vez que dá mais transparência à organização”.
“Precisamos ter acesso às normativas que indicam a forma de abordagem da polícia, tudo isso para que a transparência e o controle da sociedade possam servir para garantir uma maior democratização do que está acontecendo ali dentro”, disse Barros.
Caso contrário, a atividade policial “vira uma caixa-preta, à qual ninguém tem acesso”, concluiu a pesquisadora.