“Cale a boca, Linda!” As cartas de John Lennon e como seria se ele usasse o Twitter

Atualizado em 10 de outubro de 2012 às 11:59

Na semana em que ele completaria 72 anos, um livro com sua extensa correspondência

 

“Cara Lavanderia,

A senhora Yoko Ono Lennon nunca tingiu e nunca vai tingir o cabelo. Ela não sua (a maioria dos orientais não sua como nós). Qual é a desculpa de vocês para transformar em amarela minha camiseta branca novinha?”

É difícil imaginar John Lennon, o gênio fundador dos Beatles, autor do hino messiânico (e, como definiu o nosso amigo e leitor Saulo Londres, hiperglicêmico) Imagine, reclamando dos danos a uma peça de roupa ordinária. Mas essa é apenas uma entre as 300 mensagens do livro As Cartas de John Lennon, lançado esta semana no Brasil.

Hunter Davies, autor da única biografia oficial da banda, de 1968, obteve a autorização da viúva Yoko, bem como de colecionadores e amigos, para publicar cartas, postais, rabiscos e bilhetes, à mão ou datilografados, desde a juventude de Lennon até meses antes de ele morrer. Há declarações de amor a Cynthia, a primeira mulher, e respostas a músicos, críticos, advogados, admiradores e desafetos. Davies contextualiza as missivas, explicando em que circunstâncias elas foram enviadas.

Curiosamente, há dois brasileiros entre os que receberam uma palavra de Lennon: Lizzie Bravo, a fã que fez backing vocals em Across The Universe, e o jornalista Fernando de Oliveira, que ganhou dois postais em 1979 e 1980. Oliveira havia escrito a Lennon pedindo que ele participasse do show em prol do Camboja, organizado por Paul McCartney. Semanas mais tarde, surge um cartão de Natal em sua caixa postal, assinado por JL.

 

Era um compulsivo. Como diz o próprio Davies, John viveu e morreu na era pré-email. Caneta e tinta eram sua mídia social. A edição reproduz o papel que ele usou, preservando sua caligrafia, rabiscos e desenhos.

O texto detonando Paul e Linda, conhecido como "the John rant"

 

As porradas nos ex-Beatles e no produtor George Martin são antológicas. Em 1971, aparentemente ofendido por uma carta anterior, ele desce a lenha em Paul, Linda e na reputação de sua antiga banda: “Quem vocês/nós somos? Eu espero que percebam a merda que vocês e o resto dos meus amigos bondosos e desinteressados jogaram em Yoko e eu desde que ficamos juntos. Linda, se você não se importa com o que eu digo, cale a boca! Deixe o Paul escrever ou qualquer coisa do tipo”.

O livro traz um retrato íntimo de um homem gentil, engraçado, brutal, amoroso, colérico, egoísta, sensível — e que vivia na premência de mandar recados para o mundo. Um jornalista inglês declarou, recentemente, que era uma lástima que Lennon não estivesse vivo para ser ouvido nestes tempos intensos e conflituosos — e ao mesmo tempo um alívio por não ter de escutar suas arengas contra a fome na África, a guerra no Afeganistão ou o desmatamento da Amazônia. Seria fascinante vê-lo usando o Facebook e tudo o que a internet lhe permitiria hoje. Mas é bom sermos poupados de ver o grande Lennon, aos 72 anos, reclamando do atendimento da TV a cabo no Twitter. Em 140 caracteres.