Câmara dos Deputados corrige matéria sobre Ciro Gomes após reportagem do DCM. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 17 de julho de 2020 às 23:22
Ciro Gomes e Márcio Lacerda, na propaganda da campanha de 2018

Conhecido por fazer acusações graves e muitas vezes sem provas contra seus adversários, Ciro Gomes silenciou quanto à notícia de que recebeu dinheiro do caixa 2 operado por Marcos Valério.

Mas sua máquina de difamação, hoje bastante presente na rede social, logo entrou em movimento, com acusação de que o DCM havia publicado fake news.

É um expediente manjado por grupos políticos que preferem acusar a ter de se explicar. Donald Trump nos EUA e Jair Bolsonaro no Brasil são os políticos mais conhecidos por usar esse expediente.

O blog O Cafezinho, que no passado já defendeu causas públicas e desde a campanha de 2018 faz propaganda de Ciro Gomes, sintetizou o ataque, com uma arte em que carimbava o selo fake news na capa da live transmitida pelo YouTube.

Propaganda, não jornalismo. Se houvesse preocupação de apurar a notícia, um caminho para seu editor, Miguel do Rosário, seria procurar a Polícia Civil ou o Ministério Público de Minas Gerais.

Se a porta não se lhe abrisse, poderia tentar contato com os advogados de Marcos Valério ou com personagens que também frequentaram o submundo da política mineira, como o lobista Nílton Monteiro.

Mas isso dá trabalho e não proporciona retorno financeiro. Pelo contrário. Exige investimento. De tempo e também de recursos.

Hoje, Ciro Gomes compartilhou um vídeo em que o presidente do PDT, Carlos Lupi, ataca o DCM com os mesmos argumentos e propaga inverdades.

A primeira dela é que a publicação do DCM é fake news. A outra é a fala leviana de que o DCM tem vínculos com o PT.

De onde Lupi tirou isso? Do discurso de Ciro Gomes de que existe um gabinete do ódio da esquerda?

Se perseguir nesta linha, Lupi e Ciro vão precisar de mais argumentos. A trajetória de seus profissionais, a começar pelos fundadores do site, Paulo e Kiko Nogueira, fala por si.

O que mais importa aqui, no entanto, é rebater as mentiras que a máquina cirista contou para lançar uma cortina de fumaça sobre a delação de Marcos Valério.

A primeira é que a delação não merece crédito, já que Marcos Valério teria acusado o próprio Lula de mandar matar Celso Daniel.

Isso sim é fake news e foi desmascarada em outubro do ano passado, quando a revista Veja publicou reportagem de capa em que distorceu o conteúdo da delação de Valério.

Estava de férias com minha mulher no Uruguai quando o delegado Rodrigo Bossi de Pinho me enviou mensagens por WhatsApp.

Eu havia entrevistado o delegado longamente um mês e meio antes, em sua casa, em que ele, sem quebrar o sigilo da delação, me contou sobre como investigou a máquina de poder e corrupção em Minas Gerais.

A entrevista, solicitada por mim, foi a última que ele deu. Em estado avançado de um câncer muito agressivo, Bossi de Pinho viria a morrer três meses e meio depois.

Foram 14 horas de conversa, com algumas horas de gravação — a maior parte ainda está inédita.

A capa da Veja sobre a morte de Celso Daniel o indignou.

Na semana seguinte, seria realizado o julgamento sobre a prisão em segunda instância, e ele tinha a certeza de que a revista estava empenhada em tentar criar um falso escândalo para influir no resultado do julgamento, que alcançaria Lula, na época preso.

“O Marcos Valério nunca afirmou que Lula é o mandante do assassinato de Celso Daniel”, afirmou. ”Ele disse que o Ronan (Maria Pinto, empresário do setor de transporte em Santo André) ameaçava dizer que foi ele. São coisas completamente diferentes”, acrescentou.

O delegado deu detalhes da operação político-midiática que tentou envolvê-lo na farsa. “A Veja está querendo influir no julgamento da segunda instância, e nessa farsa posso dizer, com certeza, que há a ação de Mara Gabrilli”, afirmou, em referência à senadora do PSDB por São Paulo.

“Mara Gabrilli me ligou diversas vezes essa semana, tentando me influenciar a liberar o vídeo da oitiva. Não dei”, completou. “Sabia que eles estavam tentando influenciar no julgamento do STF”, finalizou.

Marcos Valério contou ao delegado Rodrigo Bossi de Pinho a quem deu dinheiro e por que

 

O site cirista e o presidente do PDT também tentam criar confusão a partir de uma notícia publicada em agosto de 2005 pelo site da Câmara dos Deputados.

A nota seria a retificação de uma notícia publicada anteriormente, que atribui a Delúbio Soares a declaração na CPI de que ele teria dito que Marcos Valério pagou dívida da campanha de Ciro Gomes a presidente.

O título, “Correção/Valério não pagou campanha de Ciro”, não traduz o conteúdo da nota.

Na retificação, é transcrito o trecho em que Delúbio é questionado pelo deputado Julio Redecker, do PSDB do Rio Grande do Sul.

— Ciro Gomes disse que esse dinheiro é para o Lula. Eu só quero que o senhor diga: o dinheiro é para o Lula ou para a campanha do Ciro Gomes? — pergunta o deputado.

Delúbio Soares responde:

— Posso explicar?

Deputado:

— Só quero saber pra qual dos dois que era…

Delúbio:

— Foi para a campanha… O Ciro Gomes apoiou o Lula no segundo turno…

Deputado:

— Para o Ciro Gomes ou para o Lula? Porque o Ciro diz que foi para Lula.

Delúbio:

— O Einhart (coordenador de marketing da campanha de Ciro Gomes, Einhart Jacome da Paz), junto com o Duda Mendonça, prestou um serviço e fez a cobrança e depois foi pago…

Deputado:

— Mas não é isso o que eu perguntei. É para o Lula o dinheiro ou é para o Ciro?

Delúbio:

— A campanha foi feita no segundo turno…

Deputado:

— Mas isso aqui foi um acerto para pagar os restos de campanha da campanha do Ciro? Foi para o Ciro pagar as despesas de campanha que ele tinha tido no primeiro turno ou foi para as despesas de campanha do Lula? É só isso que eu quero saber.

Delúbio:

— Foi uma despesa que o Einhart fez, eu só tomei conhecimento depois…

Deputado:

— Mas o senhor mandou pagar….

Delúbio:

— Claro que mandei pagar…

Deputado:

— Para quem que era o pagamento, era para o Lula ou para o Ciro?

Delúbio:

—Para o Einhart. Ele trabalhou paralelamente ali com o Duda ali para fazer as imagens do Ciro no segundo turno…

Deputado:

— Então, era para o Lula ou para o Ciro, eu só quero saber se foi acerto para pagar a campanha do Ciro no primeiro turno ou para o Lula?

Delúbio:

— Foi acerto para pagar a despesa de imagem que o Ciro teve no segundo turno, foi isso.

Deputado:

— O Lula?

Delúbio:

O Ciro…

Deputado:

— O Ciro não concorreu no segundo turno…

Delúbio:

Mas teve gravação de programa de televisão, toda a equipe, desmontar equipe…

Deputado:

— Então, foi para campanha do Lula, porque, se foi para pagar imagem da participação, então é para a campanha do Lula…

Delúbio:

— Como o senhor quer analisar…

O senador Amir Lando, que presidia a Comissão, fez uma pergunta adicional, já que a resposta de Delúbio era evasiva, o que revela que o tema era espinhoso, já que Ciro Gomes, à época, era ministro da Integração Regional no governo Lula.

O senador perguntou:

  O que o senhor quer dizer é que foi para o senhor Ciro pagar as despesas da campanha para presidente …

Delúbio concluiu:

— No segundo turno.

Portanto, o título da matéria não correspondia ao texto. O jornalista que assina a nota é identificado pelas iniciais WS.

Eu o localizei. Trata-se de Wilson de Paula Silva, servidor concursado. Na época, ele era editor da Agência Câmara. Hoje, o expediente do site o identifica como coordenador.

Wilson concordou que o título estava impreciso, não correspondia à notícia, e disse não se recordar a razão. “Não entendo por que o título é tão taxativo”, afirmou.

Disse que não se recordava de nenhuma pressão política. “Normalmente, quando retificamos a matéria, é porque alguém reclamou. No caso, deve ter sido alguém ligado ao Ciro”, comentou.

“Em geral, avaliamos e, se considerarmos a crítica pertinente, fazemos a correção. Mas concordo: o título não era para ser tão taxativo”, afirmou.

Ele disse, no entanto, que faria a alteração, o que acabou ocorrendo às 21h20 desta sexta-feira, 17 de julho. O título passou a ser: “Correção/ Delúbio não disse que Valério pagou dívidas de campanha de Ciro”.

Na nova versão, colocou um texto de atualização:

“O título desta matéria foi alterado em 17/7/20 porque estava impreciso. O título original dizia: Correção/ Valério não pagou campanha de Ciro. Em 2005, os títulos da Agência Câmara tinham um limite pequeno de caracteres e não foi possível explicar com precisão a correção que estava sendo feita.”

Título impreciso, que não corresponde à matéria, usada pelo presidente do PDT, Carlos Lupi, para atacar o DCM.
A matéria publicada no site da Câmara, usada pelos ciristas para atacar o DCM, foi retificada hoje

 

O caso que liga Ciro Gomes com o caixa 2 de Marcos Valério deve ser analisado no conjunto dos depoimentos e das evidências publicadas à época, e levando-se em consideração a delação recente do publicitário.

Valério disse na época que pagou R$ 457 mil a Márcio Lacerda, homem de confiança de Ciro Gomes. Corrigido pelo IGP-M, esse dinheiro corresponde a R$ 1,23 milhão em valores atuais.

Se era para pagar pela gravação em que Ciro aparece no programa de Lula no segundo turno, trata-se de uma despesa dezenas de vezes acima do valor de mercado.

Márcio Lacerda, que ocupava o segundo cargo na hierarquia do Ministério da Integração Regional, também apareceu na agenda da secretária de Marcos Valério, em três encontros.

O braço direito de Ciro disse à época que se tratava de reuniões para discutir publicidade da obra de transposição do rio São Francisco.

Valério, como todos viriam a saber, usava sua agência de publicidade como veículo para movimentar caixa 2.

Logo depois do depoimento de Valério e de Delúbio, Lacerda não resistiu à pressão e deixou o Ministério da Integração Regional.

“Saque de R$ 457 mil derruba assessor de Ciro”, diz o título da reportagem da Folha de S. Paulo em 3 de agosto de 2005. No texto, informa-se que ele deu a versão de que o dinheiro do valerioduto — como era chamado na ocasião — foi para pagar dívida da campanha de Lula.

Por que o homem de confiança de Ciro pagaria dívida de campanha de Lula? Esse papel cabia a Delúbio Soares, tesoureiro do PT, que em seu depoimento deu uma declaração dúbia sobres as despesas com Ciro.

A delação de Valério tem detalhes do que está por trás desta história nebulosa, que indiscutivelmente liga Ciro Gomes ao que era chamado de valerioduto.

Uma delação não deve ser tomada isoladamente, já que este é o modus operandi da Lava Jato e produz injustiças.

Mas o delegado que tomou o depoimento de Valério, Rodrigo Bossi de Pinho, garantiu que ele apresentou provas. Mais precisamente: “caminhos de provas”.

Porém o Ministério Público do Estado de Minas Gerais e o Ministério Público Federal não quiseram participar do acordo, o que inviabiliza o depoimento.

E por que não quiseram?

“Eu suponho: é pelo tamanho do problema, que envolve todo mundo. O risco é muito grande. Poucas pessoas têm coragem de investigar e ir a fundo nisso, porque ele não terá apoio de ninguém. Quem for investigar vai comprar briga com o Brasil inteiro. Tem que ter muita autonomia  para poder fazer a investigação”, respondeu o delegado.

Alguns dias depois de sua morte, a esposa, Sandra Fagundes Fernandino, escreveu um texto, que o DCM publicou, em que faz um desabafo:

“Honrar a memória do delegado Rodrigo Bossi de Pinho é não deixar a investigação dele na gaveta.”

Os ciristas hoje querem desqualificar a delação de Valério para proteger um dos políticos poderosos que aparecem na investigação.

A delação não é tudo, é meio. Mas não pode ser ignorada.

Delegado Rodrigo Bossi de Pinho