Campo progressista no pleito de 2020: qual o saldo até aqui? Por Cristiane Sampaio

Atualizado em 28 de novembro de 2020 às 15:08
Chapa coletiva eleita em Fortaleza (CE) reúne Louise Santana, Lila M e Adriana Gerônimo, do Psol – Divulgação

Originalmente publicado por BRASIL DE FATO

Por Cristiane Sampaio

No embalo do disputado jogo eleitoral de 2020, o comportamento das forças progressistas e também, especificamente, de esquerda tem chamado a atenção em alguns pontos do país. Da onda psolista Boulos-Erundina em São Paulo (SP) à chegada de Manuela D’Ávila (PCdoB) ao segundo turno em Porto Alegre (RS), passando pelo desempenho de Edmilson Rodrigues (PSOL) em Belém (PA) e Marília Arraes (PT) em Recife (PE), as experiências dessas e de outras chapas parecem ter reavivado o ânimo de uma parte do eleitorado.

Independentemente dos resultados que venham a se revelar nas últimas horas deste domingo (29), quando o país deve conhecer o nome dos futuros prefeitos dos municípios ainda em disputa, o caminho travado até aqui já suscita análises iniciais.

A cientista política Monalisa Soares lembra o levante, nos últimos tempos, de segmentos mais conservadores da juventude no país. A insurreição do grupo, na maioria das vezes, esteve orientada para pautas de viés punitivista.

Na contramão disso, ela destaca que as forças de esquerda têm incorporado novas formas de organização e mobilização “a partir de múltiplas pautas”, que muitas vezes são identitárias, ancoradas em políticas raciais e de gênero, mas também ganham outras abordagens. É o caso do debate sobre mobilidade urbana e da agenda ambiental, bastante cara a este momento histórico de emergência climática.

“Tem a ver com uma série de questões que transpassam a experiência da juventude na cidade. Acho que as candidaturas de esquerda conseguiram capturar essas parcelas, esse segmento social, as suas formas de se organizar politicamente, de pautar a política, e incorporá-lo de algum modo na disputa”, analisa a professora, que atua no Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia da Universidade Federal do Ceará (Lepem-UFC).

Para o cientista político Thiago Trindade, que lida com temas relacionados a segmentos populares, os resultados colhidos pelo segmento até agora mostram o eco do que classifica como “legado Marielle”, em referência à vereadora psolista assassinada no Rio de Janeiro (RJ). Ele chama a atenção para os ganhos obtidos a partir de candidaturas femininas, negras, LGBTs e periféricas, especialmente no Legislativo.

Números da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) mostram, por exemplo, que mais de 50 representantes do segmento foram escolhidos para o cargo de vereador este ano. A eleição de mulheres trans é outro ponto de realce do pleito de 2020.

Aracaju (SE) elegeu sua primeira vereadora trans, a educadora Linda Brasil (PSOL). Já a Câmara de Belo Horizonte (MG), por exemplo, terá uma das suas cadeiras destinadas à professora Duda Salabert (PDT), que bateu recorde e foi a candidata mais votada da cidade, com 37.613 votos.

A capital paulista também terá o seu quinhão nessa conquista: Erika Hilton, transexual e negra, foi a mulher mais votada da cidade e ainda de todo o país. Ela reuniu em torno de si 50.508 votos e perdeu somente para Eduardo Suplicy (PT) e Milton Leite (DEM).

Em entrevista ao Brasil de Fato e à TVT, na última sexta (27), a ativista celebrou o resultado das urnas como símbolo da luta por uma oxigenação do ambiente político. Ela batalha por um maior acolhimento às pautas das mulheres trans e outras demandas de direitos humanos.

“Nossa chegada a este lugar significa que, mesmo diante da necropolítica, do projeto político avassalador de destruição de Bolsonaro, nós estamos de pé, propositivas, organizadas, nós somos muitas e temos poder de articulação e de transformação dos espaços sociais e dos espaços políticos institucionais”, disse Hilton, que pretende investir num mandato de caráter coletivo.

Considerando o universo de mais de 57 mil vagas de vereador no país, as experiências ainda são pontuais, mas ajudam a oxigenar o sistema político e a dar vazão a ideias progressistas, geralmente mais associadas à ideologia de esquerda.

Para Trindade, que leciona no Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (Ipol/UnB), exemplos do tipo ajudam, a longo prazo, a pavimentar o caminho para um maior enfraquecimento do bolsonarismo, associado a discursos de ódio, preconceito de gênero, entre outros comportamentos.  Um ganho para as forças do campo progressista.

“A gente tem vários analistas internacionais que já afirmam isto até com certa ênfase: o caminho mais apropriado e eficaz pra derrota do neofascismo e do avanço autoritário é o diálogo com a juventude feminina, negra, periférica e tudo mais, vide as eleições nos Estados Unidos, com a opção que o Partido Democrata fez pela vice do Biden. É uma mulher que em larga medida se encaixa nesse perfil de que estamos falando aqui”, exemplifica o professor, citando Kamala Harris.

Coletividade

A expansão de candidaturas que se apresentaram como chapas coletivas é outro componente que chamou a atenção nas eleições deste ano. Um levantamento do Centro de Política e Economia do Setor Público da Fundação Getúlio Vargas (Cepesp/FGV) mostra que o número de candidaturas com esse perfil saltou de 13, em 2016, para 257 neste ano.

Rio de Janeiro, Fortaleza, Porto Alegre, Salvador e Belo Horizonte estão entre as cidades onde houve registros de engajamento por meio desse tipo de projeto nestas eleições. Na capital paulista, por exemplo, houve 34 chapas concorrendo a uma vaga na Câmara Municipal, segundo levantamento do portal UOL, e duas se elegeram.

É a primeira vez que a cidade viverá esse tipo de experiência, o que também irá ocorrer em Fortaleza. A capital cearense vai estrear no próximo ano um mandato coletivo formado por três mulheres, todas negras e periféricas.

“Os mandatos coletivos, em geral, têm um viés racial bem interessante que alguns estudos já têm mostrado. Ainda há pouca informação sobre o efeito deles. Eu os vejo muito como uma estratégia pra conseguir negociar com os partidos a viabilização das candidaturas desses grupos. Eles apontam para a tentativa de alguns setores engajados na política de fazerem uma outra forma de política”, comenta o professor Carlos Machado, do Ipol/UnB.

Horizonte

Ao analisar o cenário eleitoral e apontar para o futuro, o cientista político Thiago Trindade não vê, para o campo da esquerda, tradicionalmente mais vinculado às bandeiras de direitos humanos e aos temas progressistas em geral, ganhos volumosos a curto prazo.

“Não dá pra pensar, por exemplo, em grandes vitórias eleitorais nesse intervalo, mas acho que as eleições deste ano trazem sinais de que se pode ter alguma esperança de reconstruir um projeto democrático e aglutinar o campo popular no Brasil. Acho que tem indícios que mostram isso”, analisa.