Candidata tem vídeos vazados: o ato de transar não desonra uma mulher. Por Nathalí

Atualizado em 31 de agosto de 2024 às 17:10
Alissandra Matos. Foto: Divulgação

Por Nathalí

Mais uma mulher vítima da exposição criminosa de vídeos íntimos na internet.

Alissandra Matos, candidata a vereadora em Serrinha – BA, teve seus vídeos vazados, e logo viralizaram nas redes. Os responsáveis pelo crime ainda não foram identificados, e a vítima se manifestou em nota: “Eu sofri um tipo de violência pela condição de ser mulher (…) Seguirei firme, de cabeça erguida, trabalhando com o que há anos me proponho a fazer: cuidar de gente.”

Infelizmente, Alissandra tem razão: os crimes cibernéticos contra a honra – em geral caracterizados pelo vazamento de material digital íntimo – vitima, na maioria esmagadora das vezes, apenas mulheres.

Não é uma coincidência, por óbvio: isso acontece porque não há julgamento moral que recaia sobre a intimidade dos homens. Um vídeo íntimo masculino vazado poderia talvez até servir de “propaganda” dos dotes do dito cujo: para os homens, transar não é pecado. Já as mulheres são execradas, não raramente, por serem “descobertas” fazendo sexo.

Esse tipo de violência não traz apenas desonra às suas vítimas (ao menos no deturpado conceito de honra da sociedade patriarcal), mas também mancha a imagem da mulher de modo a prejudicá-la de todas as formas possíveis (profissionalmente, socialmente, emocionalmente).

Esse tipo de crime tem sido tão recorrente no Brasil que criou-se a Lei Carolina Dieckmann, que pune crimes cibernéticos como este. A lei foi criada quando a atriz que lhe empresta o nome foi vítima deste crime. Para além disso, porém, é preciso declarar que se trata, além de um grave crime contra a honra, de uma violência política nítida.

A violência política se dá quando mulheres na política (candidatas, vereadoras, deputadas, senadoras, presidentas) são ameaçadas, coagidas, expostas, golpeadas ou executadas – como foi Marielle Franco, jamais esquecida.

Alissandra Matos, candidata a vereadora em Serrinha, na Bahia

O que Alissandra sofreu tem, sem dúvidas, relação com sua posição na política, uma vez que se trata claramente de uma tentativa de desonrá-la e descredibilizá-la diante de um eleitorado machista.

Urge a punição dos culpados, e não somente pela exposição criminosa, mas por um crime cometido como ataque político, o que deve, sem dúvidas, vir a agravá-lo.

Para além do inevitável punitivismo em casos como este, a solução do problema é, certamente, cultural e pedagógica: é preciso construir um discurso que aniquile a ideia de que fazer sexo – e ter sua intimidade exposta na internet – torna menos digna nenhuma mulher.

Transar não é crime, e uma candidata a vereadora (ou ao que quer que seja) não é tornada menos competente ou capaz porque sua intimidade foi violada.

Carolina, Alissandra e tantas outras não merecem estar no banco dos réus, mas no lugar de vítimas corajosas o suficiente para denunciarem seus difamadores.

Em um mundo ideal para a existência das mulheres, vídeos íntimos não terão qualquer influência sobre sua moral. Até lá, somos obrigadas a conviver com o castigo que vem do moralismo – um castigo que só alcança as mulheres, e não raramente é convertido em hipocrisia.

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