Crônicas caraquenhas – 3
Na última semana de setembro, passei uma semana em Caracas, graças ao crowdfunding realizado pelos apoiadores do DCM.
De lá, enviei uma série de reportagens e vídeos, comentando os dilemas políticos da Venezuela. Completo agora a cobertura com algumas crônicas sobre o dia a dia da capital.
CARACAS E A VIOLÊNCIA COTIDIANA
O bairro de Altamira localiza-se no município de Chacao, Venezuela, um dos cinco que formam a capital Caracas. Cortado por duas avenidas e ruas sinuosas e arborizadas, a região aparenta tranquilidade a maior parte do tempo. É pontuada por hotéis e lojas que já conheceram melhores dias. Apesar de um certo ar decadente, apresenta residências de alto padrão e historicamente concentrou aguerridos bolsões da oposição antichavista.
Nos restaurantes, o câmbio favorável faz com que brasileiros comam muito bem a preços razoáveis. Mas há algo de inusitado nas entradas do estabelecimentos de alto padrão. Colado às portas estão ostensivos detectores de metais. Ao lado, um cartaz sempre avisa: “Zona livre de armas. Proibido portar armas de fogo neste espaço”.
CIDADES PERIGOSAS
Caracas é uma das cidades mais violentas do mundo. O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) apresentou em 29 de novembro do ano passado o estudo “Crime e violência, obstáculos para o desenvolvimento das cidades da América Latina e do Caribe”. O continente concentra 39% dos homicídios do mundo e aqui estão 41 das 50 cidades mais perigosas. No topo, está Caracas, com 120 homicídios por 100 mil habitantes. Logo em seguida, aparecem São Pedro do Sul, em Honduras, e São Salvador, em El Salvador.
Outro levantamento, realizado pelo Conselho Cidadão para a Segurança, Justiça e Paz, da Cidade do México, confirma que entre as 50 cidades mais violentas, 43 estão por aqui, com destaque para o México, com 16 e o Brasil com 14. A diferença é que nessa sondagem, a violência maior concentra-se em Tijuana (México), com 138 homicídios por 100 mil e Acapulco (também no México) com 110. Caracas aparece em terceiro lugar, com 100 por 100 mil.
CRISE E CRIME
A violência na Venezuela e em sua capital não vem de hoje, embora o problema tenha se agravado nos últimos anos. Contribui para isso a crise econômica. O PIB caiu 56% desde 2013, segundo dados do Banco Central. Embora os índices oficiais de desemprego estejam em 7%, o indicador mascara uma altíssima taxa de informalidade que atinge quase 60% da população economicamente ativa.
Violência, pobreza e crise geram outro problema. Não existe uma estatística oficial, mas calcula-se que entre três e quatro milhões de venezuelanos deixaram o país nos últimos dez anos, em busca de vida melhor. Equivale a cerca de 10% da população. É impressionante, mas não difere substancialmente do drama de outras nações latinoamericanas.
Em 2017 havia cerca de 2,7 milhões de colombianos no exterior, expulsos pela guerra interna entre o governo e as FARC e outros grupos armados. Em nove anos, 10,7 milhões de habitantes de Honduras, Guatemala e El Salvador cruzaram a fronteira dos Estados Unidos, tentando escapar da desesperança. O levantamento é do Pew Research Center, com base em números da Agência de Controle de Fronteiras dos Estados Unidos.
MUROS, GRADES E CERCAS
Alguns partidários do governo alegam que a violência caiu no último ano pelo fato de muitos dos emigrantes serem bandidos que fogem de perseguições internas. Não há dados objetivos e isso não é algo que se possa levar a sério. Caracas é gradeada, murada e exibe cercas elétricas em casas de alto e baixo padrão. Há bairros centrais nos quais não é indicado caminhar após o entardecer. Não faltam denúncias sobre as péssimas condições do sistema prisional, com a prática recorrente de torturas. São situações familiares tanto ao Brasil quanto em vários outros países da América Latina.
Apesar do quadro preocupante, a violência não é a maior preocupação dos venezuelanos. Segundo uma pesquisa do Instituto Datanálisis – ligado à oposição – o problema mais sentido pela população é a inflação e a alta do custo de vida, com 37,8% dos apontamentos. Em seguida vêm a crise econômica (12,7%), a corrupção (6,4%) e, em quarto lugar, a segurança (6%).
Mesmo assim, não se pode vacilar. Os detectores de metais seguem instalados.