Cariani foi alvejado com memes por ser branco rico. E se fosse negro pobre? Por Leonardo Sakamoto

Atualizado em 13 de dezembro de 2023 às 11:06
Renato Cariani. (Foto: Reprodução)

Por Leonardo Sakamoto

Após a Polícia Federal, a Receita Federal e o Ministério Público deflagrarem uma operação contra um grupo suspeito de fornecer insumos para a produção de crack e cocaína, nesta terça (12), um dos alvos, o empresário e influenciador fitness Renato Cariani fez a alegria dos memes nas redes sociais.

Não à toa. A contradição de que alguém ganha dinheiro publicamente vendendo “saúde” enquanto tira um cascalho forte ajudando, por baixo dos panos, a fabricar toneladas de uma das drogas que mais destrói o organismo é, por si, escandaloso.

Além disso, Cariani tem 7,4 milhões de seguidores no Instagram, outros 6,3 milhões de inscritos em seu canal no YouTube e 1 milhão de almas no TikTok. Apresenta-se como empresário de sucesso que fatura milhões em seus vários negócios, do mundo fitness à indústria química. Conta com famosos entre seus alunos, como Alok, Lucas Lucco e Danilo Gentilli.

Em uma sociedade em que a reputação, a credibilidade e a idoneidade são medidas pelo número de seguidores, Cariani era considerado alguém acima de qualquer suspeita.

Renato Cariani. (Foto: Reprodução)

E, claro, a esquerda aproveitou a operação da PF para jogar vinagre no shake proteico da extrema direita, lembrando não apenas da proximidade de Cariani com o bolsonarismo, como o fato de ele ter aberto a sua live, a de maior audiência entre os marombados deste país, para ajudar Jair a conseguir alguns votos no período eleitoral.

O então presidente usou o espaço para reafirmar a sua pauta naquele momento de campanha, de que ninguém passava fome por aqui. Aliás, usar um podcast que trata de nutrição ser plataforma desse tipo de mentira foi o puro suco do cinismo.

“Fome no Brasil? Fome pra valer não existe da forma como é falado”, disse, afirmando que o Auxílio Brasil impedia que as pessoas entrassem nessa situação. Pouco antes, ele havia afirmado, em entrevista à Jovem Pan: “Alguém já viu alguém pedindo um pão na porta, no caixa da padaria? Você não vê, pô”.

Bolsonaro ainda afirmou que se fosse vizinho do empreendimento de Cariani, se matricularia. “É um ambiente saudável, boas amizades se fazem aqui.”

A Polícia Federal afirma categoricamente que o desvio de materiais químicos para a produção das drogas não foi um erro, uma falha ou cegueira dos envolvidos, mas algo feito deliberadamente para ganhar dinheiro.

Cariani sofreu mais com gozações e ironias nas redes do que ataques, ameaças e xingamentos. Claro que isso tem um impacto enorme para a sua imagem, dissociando-a da ideia de saúde. Mas ele recebeu o tipo de reação estatal e pública que, por deliberação de nossa “democracia racial”, é garantida principalmente aos brancos nessas situações. Ou seja, críticas, sim, mas com todos os direitos garantidos, inclusive, o de ser punido apenas após ser investigado, julgado e condenado.

Até porque negro pobre com meia dúzia de papelotes de pó não recebe o mesmo tratamento social que brancos ricos flagrados desviando material para produzir 19 toneladas de crack e cocaína. Um é um traficante imundo que merece ser morto, o outro um empresário que desviou químicos e precisa ser julgado antes de qualquer coisa. Walter White sorri.

Originalmente publicado na coluna de Leonardo Sakamoto, no Uol

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