Carla Zambelli processa Sara Winter, ex-colega de protestos feministas, por ser acusada de aborto

Atualizado em 7 de maio de 2020 às 7:17
Imagem de vídeo em que Sara Winter acusaria Carla Zambelli (PSL-SP) de ter feito um aborto

Corre na 32ª Vara Criminal do Fórum da Barra Funda, em São Paulo, um processo pelos crimes de calúnia, injúria e difamação, movido pela deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP), uma das principais lideranças bolsonaristas no Congresso Nacional, contra a ex-feminista Sara Winter, ex-coordenadora Nacional de Políticas para Maternidade do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos.

Se condenada, ela pode pegar até três anos e meio de detenção.

O motivo: um vídeo publicado pela ex-feminista no YouTube, em que ela afirma que Carla Zambelli, assim como a própria Sara Winter, já foi ativista do Femen, grupo feminista fundado em 2008 na Ucrânia.

A coordenadora nacional afirma também que a deputada praticou um aborto no dia 31 de dezembro de 2012, quando estaria na 12ª semana de gravidez. Zambelli nega a história integralmente: afirma que nunca participou do grupo Femen nem fez um aborto.

É a própria deputada federal quem, no processo que move contra a coordenadora Nacional de Maternidade, afirma que foi vítima do suposto vídeo contendo inverdades sobre sua pessoa. O vídeo original que deu início ao processo já não está mais no ar.

Assim, conforme descrevem os advogados da parlamentar, no vídeo, Sara Winter narrava uma história que dizia ser fictícia, mas que dava a entender ser real, em que trocava o nome de Carla Zambelli por Carola Zambom, buscando, assim, livrar-se da responsabilização judicial.

Consta no processo:

Aos 8:41 minutos do vídeo, Winter repete: “…nessa história fictícia que estou inventando na minha cabeça né”. E adentra no fato ofensivo criminoso, de que a suposta Carola Zambom estava grávida “já eram mais de 12 semanas porque havia uma barriguinha proeminente”.

Depois, a Querelada (Sara Winter) passa a narrar que a Querelante (Carla Zambelli) estava grávida e trata do assunto “aborto”. Diz que a Querelante fez aborto, e uma ativista do Femen de nome Bruna a teria acompanhado, fato totalmente falso. Ainda no tema do abortamento, diz que a Querelante iria fazê-lo na 2ª feira e já estaria agendado, mas antes participou de uma passeata expondo a barriga com a inscrição –“vai nascer em casa”. 

Trecho do processo em que advogados de Carla Zambelli apontam momento de vídeo em que Sara Winter acusaria a deputada de ter feito aborto após uma passeata por direitos da mulher no parto (Fonte: TJ-SP)

Em que pese Zambelli afirmar categoricamente no processo que nunca participou do movimento Femen, fato é que a manifestação a que Sara Winter se refere efetivamente ocorreu, no dia 27 de dezembro de 2012, um sábado (dois dias antes da segunda-feira, 29, a que se refereria o vídeo da ex-feminista).

Também é fato que Carla Zambelli participou do ato, com camiseta e adereços do Femen e com a barriga e a gravidez à mostra, como mostram a entrevista e as imagens abaixo.

 

A deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP, à direita), em manifestação do grupo Femen, em São Paulo, no dia 29 de dezembro de 2012
Momento do vídeo acima, em que Carla Zambelli concede entrevista, em que se pode ver a deputada vestindo a camisa do grupo Femen

Também no dia 29 de dezembro de 2012, Carla Zambelli concedeu entrevista ao portal Terra, em reportagem em que é identificada como fundadora e porta-voz do Femen no Brasil.

Deputada afirma que perdeu o bebê

Carla Zambelli reforça sua acusação de difamação ao afirmar, no processo, que perdeu o bebê espontaneamente em 2012, fato este que seria de conhecimento de todos que com ela conviviam na época, entre os quais estaria a acusada Sara Winter. Leia abaixo:

A Querelante (Zambelli) imputa o falso como elemento material do delito atribuído, porquanto efetivamente sabedora, a Querelada (Winter), do fato verdadeiramente ocorrido– como todos que se relacionaram de perto com a Querelante à época, no movimento que ela dirigia, Nas Ruas, souberam: que a Querelante teve um sangramento espontâneo grave e precisou ser atendida às pressas, numa clínica, vindo a perder a gravidez. Adira-se que, a ofensa é jactanciosa, arrostada pela intenção direta e oralizada de acusar mentirosa e ofensivamente uma deputada federal para satisfazer a talante ególatra de revelar bastidor e intimidade de autoridades.

O processo ainda não foi julgado pela Justiça. Uma audiência de conciliação está marcada para o dia 14 de outubro, no Fórum da Barra Funda, às 15h45. Se for condenada por todos os crimes de que é acusada pela deputada do PSL, a coordenadora Nacional de Maternidade do governo Bolsonaro poderá receber uma pena de até três anos e seis meses de detenção. A ex-feminista ainda não se pronunciou sobre o assunto, mas seu prazo para apresentação de defesa na Justiça ainda não expirou.

A pedido do DCM, o penalista André Lozano, coordenador do IBCCRIM (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), analisou os autos do processo (que são públicos) movido por Zambelli.

Segundo ele, se o teor do vídeo for o mesmo relatado pelos advogados da parlamentar, a tentativa de Sara Winter de se livrar da responsabilização pelo que afirmou no vídeo, por meio de jogos de palavras e nomes fictícios, não deverá prosperar.

“A querelada (Sara Winter) tenta eximir-se do fato de que se refere à deputada, mas as referências são muito claras. Se o vídeo for mesmo como narrado no processo, acredito que está configurado o crime de calúnia”, afirma o especialista.

A advogada Isabella Commans, que também analisou os autos processuais a pedido da reportagem, tem entendimento semelhante ao de Lozano. “Não tive acesso ao vídeo veiculado, mas presumindo que sejam verdadeiros os fatos transcritos e relatados na inicial (acusação), os crimes imputados de fato ocorreram.

As ofensas descritas neste caso foram gratuitas e não estão amparadas pela liberdade de expressão”, explica a advogada, que completa: “ainda que não tenha sido dito expressamente o nome da deputada, o contexto é suficiente para que os crimes sejam caracterizados. A intenção de ofender está implícita, e é possível que se faça uma associação direta entre a deputada e a pessoa descrita”.