Carlos Bolsonaro e Adélio: As perguntas ainda sem resposta no caso da facada. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 17 de maio de 2019 às 15:47

Antes da repercussão da notícia de que Adélio Bispo de Oliveira esteve no estande de tiro em Santa Catarina no mesmo período que um de seus filhos, Jair Bolsonaro cobrou rigor e celeridade no inquérito da Polícia Federal que apura se houve mandantes para o crime da facada em Juiz de Fora. Em vídeo divulgado no dia 10 de fevereiro, Bolsonaro não tem dúvida: houve mandantes para o crime.

“Espero da nossa querida Polícia Federal, a polícia que nos orgulha a todos, que tenha uma solução para o nosso caso nas próximas semanas. Esse crime, essa tentativa de homicídio, esse ato terrorista praticado por um ex-integrante do PSOL não pode ficar impune e nós queríamos, sim, e gostaríamos que a PF — obviamente com dados concretos — apontasse quem foi ou quem foram os responsáveis por determinar que o Adélio praticasse aquele crime lá em Juiz de Fora”.

Todas as informações tornadas públicas dão conta de que Adélio agiu por conta própria. Foi um lobo solitário, na linguagem do terrorismo. Porém existe um inquérito em curso para apurar se houve mandantes. Se a investigação existe, tem que ser levada a sério. E se não é apenas jogo de cena, é necessário esmiuçar as razões que levaram Adélio Bispo de Oliveira a praticar tiro ao alvo no mesmo estande frequentado por seus filhos.

No mínimo, é uma linha de investigação.

Não é uma questão de levantar suspeita sobre Carlos Bolsonaro, que esteve no estande em data próxima da de Adélio, mas de afastar hipóteses e dar uma resposta satisfatória a quem não acredita que o autor da tentativa de homicídio agiu sozinho. É o caso de Bolsonaro.

A presença de Adélio no estande 38 é estranha. O local não é um ambiente típico dele, que teve empregos modestos, de baixa remuneração, como o de servente de pedreiro. O estande, como se vê pelas fotos e pelo custo dos serviços que oferece, é frequentado por quem tem, no mínimo, um razoável poder aquisitivo.

Foi o próprio Bolsonaro quem manifestou estranheza quanto à presença de Adélio no estande, segundo registrou a revista Época. Como Adélio poderia gastar “centenas de reais em dinheiro vivo” na prática de tiro naquela clube?

Esta é apenas uma das perguntas sem resposta. Mas há outras:

Por que Adélio viajaria de Montes Claros a Florianópolis, percorrendo uma distância de quase 1.700 quilômetros, apenas para praticar tiro ao alvo?

Por que advogados que costumam cobrar caro defendem Adélio, tendo usado até um avião particular para chegar a Juiz de Fora?

Quem pagou os honorários desses advogados?

Bolsonaro também considerou a contratação dos advogados suspeita.

“No mesmo dia do crime, quatro advogados se apresentaram para defendê-lo. Usaram inclusive um jatinho particular. Então está na cara que gente com dinheiro e preocupada com que ele não abrisse a boca foi em seu socorro”, disse ele.

A investigação da PF não apresentou até agora uma explicação convincente para a origem dos recursos que bancam a defesa de Adélio.

Um dos advogados do autor da facada, Zanone Manuel de Oliveira, disse que foi contratado por uma pessoa ligada à Igreja do Evangelho Quadrangular de Montes Claros.

O encontro para selar a contratação teria ocorrido em um hotel em Juiz de Fora, conforme relato publicado em Época:

“Um homem malvestido, com calça de prega e camisa de pastor”, foi ao hotel do advogado na manhã seguinte ao atentado. Queria pagar pela defesa de Bispo. Tomando café da manhã, Oliveira disse a ele que o serviço custaria R$ 300 mil se durasse até o último recurso ao Supremo Tribunal Federal (STF), R$ 150 mil se fosse até sair a primeira sentença ou R$ 25 mil para simplesmente dar início à defesa. O advogado disse ter concordado em receber R$ 5 mil em dinheiro do cliente, de quem nem sequer registrou o nome. Os outros quatro pagamentos nunca chegaram.

Adélio foi membro destacado da Quadrangular de Montes Claros, inclusive chegou a pregar. Mas seus dirigentes negaram que tivessem contratado a defesa do ex-membro, muito menos pago honorários.

A suspeita de que a explicação do advogado é fantasiosa aumenta quando se sabe que a Polícia Federal não encontrou imagens do suposto encontro no hotel com o contratante de seus serviços.

Zanone poderia estar trabalhando de graça, apenas com objetivo de obter visibilidade profissional? Sim, mas nesse caso não precisaria contar uma história inconsistente. Bastava alegar sigilo profissional e não dizer se estava recebendo pelo serviço.

O que se sabe é que Adélio tinha informações precisas sobre o deslocamento de Bolsonaro por Juiz de Fora e chegou a fotografar alguns lugares, como o hotel onde Bolsonaro se reuniria com empresários.

Imagens obtidas pela Polícia Federal no dia da facada mostram Adélio muito à vontade, sempre em local próximo do então candidato.

Na chegada à cidade, Bolsonaro parou com sua comitiva em uma rua, desceu do carro e fez um discurso.

Muito perto dele, no lado contrário da multidão, vê-se Adélio andando de um lado para o outro, segurando em uma das mãos a faca enrolada em jornal.

É um comportamento que deveria levantar a suspeita de seguranças. Mas passou batido. Alguns minutos depois, Adélio cravou a faca na barriga de Bolsonaro.

Muito estranho é que, nesse dia, Bolsonaro não usava colete à prova de balas. Em reportagens sobre suas viagens anteriores, quase sempre há referência de que ele vestia o equipamento de proteção.

Em Rio Branco, no Acre, por exemplo, dois dias antes da viagem a Juiz de Fora, ele vestia o colete sob uma jaqueta esportiva.

Foi nessa viagem que disse: “Vamos fuzilar a petralhada aqui do Acre”.

Carlos Bolsonaro, o filho que esteve no estande em Santa Catarina em datas muito próximas das de Adélio, não foi à capita acreana, mas estava em Juiz de Fora.

Gustavo Bebianno, que era o presidente do PSL e acompanhava Bolsonaro em todas as viagens da época das eleições, contou que esta foi a única vez que Carlos Bolsonaro acompanhou o pai em viagem de campanha.

Bebianno soltou a informação no meio de uma entrevista à Jovem Pan, enquanto fazia críticas muito duras ao filho de Bolsonaro.

“Durante toda a campanha, ele nunca viajou conosco, a única viagem que ele fez durante a campanha foi exatamente a viagem para Juiz de Fora, da facada. As  outras viagens nós fazíamos o grupo. Segurança, o presidente e tal”, comentou.

Bebianno também comentou que, depois da facada, quando Bolsonaro era operado na Santa Casa de Juiz de Fora, Carlos Bolsonaro chorou muito, apoiado em seu ombro.

Já tinham alguma diferença, segundo ele contou, mas foi no ombro do futuro desafeto que encontrou consolo para aquela hora difícil.

Carlos Bolsonaro não pode ser considerado suspeito de absolutamente nada. Mas, se o objetivo é elucidar o crime, a presença de Adélio no estande de tiro em São José, na região de Florianópolis, precisa ser investigada.

Adélio, à esquerda, em frame de um video inédito: faca na mão esquerda, enrolada em jornal