Carmen Lúcia, o cocar e o temor da fúria da militância de esquerda. Por Nathalí Macedo

Atualizado em 31 de maio de 2017 às 23:33
Cármen Lúcia e os índios

Carmen Lúcia, a presidente do STF que – sabe-se lá que rumo tomará essa série hilária chamada política brasileira – pode vir a ser presidente do país, foi presenteada com um cocar por um grupo de índios e se recusou a usá-lo.

Conhecida pela elegância, aceitou o presente ressalvando: “Branco pode usar isso?”

Não esperou a resposta e nem arriscou. Quem arriscaria?

Caetano arriscou, quando usou um cocar em um show durante a execução de uma paródia de repúdio a Eduardo Cunha (êta, êta, êta, Eduardo Cunha quer governar minha boceta! – como esquecer?), e sofreu represálias nas redes sociais e fora delas. Vi a hora de ser vaiado, se é que não o foi e estou mal informada.

Depois, sofreu represálias de novo por fazer com as mãos o símbolo de uma boceta na música “Homem” – ironia finíssima sobre as masculinidades. Eu, que estava no show, fiz a boceta com as mãos de volta pra ele.

Eu quero mais é que homens façam bocetas com as mãos em seus shows, desde que  questionem suas masculinidades – Caê fez isso com uma música, e tem coisa mais bonita?

E se a presidente do STF – que, sabe-se lá que rumo… – quiser usar um cocar em um momento importante para a questão indígena, que use  – desde que se lembre de estar de fato atenta e com um ânimo cooperativo diante da questão indígena (essa parte, sabemos, é mais difícil para o judiciário branco).

O julgamento que os índios em questão foram acompanhar na ocasião do presente elegantemente recusado, aliás, diz respeito a uma liminar concedida pelo TRT- 1ª região, permitindo uma mineradora continuasse a explorar uma área indígena no Pará, sem implementação de medidas compensatórias para a comunidade.

O que me interessa, então – e sobretudo, certamente, o que interessa a estes índios –  não é se Carmen Lúcia usa ou não um cocar – o cocar é dela e a cabeça também, embora pudesse me agradar o simbolismo da cena – mas que cumpra com justiça o papel para o qual foi incumbida.

Os índios – tampouco eu – não estão preocupados com o cocar. Estão preocupados com suas vidas. Dar importância a detalhes desimportantes não são uma especialidade das minorias, são uma especialidade da militância pós-moderna – na qual, tantas vezes, me incluo (que seja um exercício de autocrítica).

Usar cocar sem ser índio é apropriação cultural, diriam. E a discussão sobre apropriação cultural – que envolve o conceito de cultura e de propriedade (spoiler: uma coisa não tem a ver com a outra) – é muito mais amplo que um cocar, um turbante ou um artigo de jornal.

Ao fim e ao cabo, cultura não tem um dono.

E eu usaria o cocar se ganhasse um e combinasse com o tom do meu terninho.