Publicado no Brasil de Fato
Um dos autores do pedido do habeas corpus que quase garantiu a liberdade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva neste fim-de-semana, o deputado federal Wadih Damous (PT-RJ) afirma que a anulação da decisão foi “pedagógica”, e mostrou “as vísceras do sistema judiciário”.
Em entrevista ao Brasil de Fato nesta terça-feira (11), Damous contestou as ações do juiz em primeira instância Sérgio Moro e dos desembargadores João Pedro Gebran Neto, relator da Operação Lava Jato, e Carlos Thompson Flores, presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4).
No domingo (8), os três se colocaram contrários à decisão do desembargador plantonista Rogério Favreto de conceder liberdade a Lula.
“Embora não fosse isso que a gente pretendia – nosso objetivo era soltar o presidente Lula –, [este episódio] serviu para mostrar as vísceras do sistema de justiça brasileiro; e mostrar que Sergio Moro, Gebran Neto e Thompsom Flores não gozam de qualquer imparcialidade e isenção para continuar atuando em processos que envolvam o presidente Lula”, pontua o deputado.
O deputado também criticou a manifestação da presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia: “ela, mais uma vez, emitiu uma nota vazia que não enfrenta a questão. Aliás, ela é a grande responsável pelo estado de ‘anarquia’ que está mergulhado o poder judiciário”.
Damous informou que, entre os próximos passos do grupo de advogados, está um pedido ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) pela retratação disciplinar dos juízes. Confira a entrevista na íntegra:
Brasil de Fato – Do ponto de vista técnico, é comum haver a contestação de um deferimento do pedido de habeas corpus como observamos no domingo, no caso o ex-presidente Lula?
Wadih Damous – O que se viu foi uma ilustração do estado de anarquia em que mergulhou o judiciário brasileiro. Hoje, o Judiciário – pelo menos o segmento curitibano – não obedece mais a regras. Há subversão, inclusive, de hierarquias.
Um juiz de primeira instância simplesmente diz que não vai cumprir uma ordem judicial, insufla a desobediência e determina que a autoridade policial não cumpra uma ordem de habeas corpus. Então, o que se viu foi o avanço do estado de exceção.
Tanto o desembargador [João Pedro] Gebran quanto o desembargador [Carlos] Thompson Flores não tinham qualquer competência para fazer o que fizeram. O único juiz investido de jurisdição e exercendo sua competência funcional era o desembargador [Rogério] Favreto, que estava no plantão.
E ele estava de plantão porque a Justiça Federal estava fechada, só por isso ele estava no plantão. E ele deu uma ordem que poderia ser revogada de acordo com as regras processuais e não da maneira como foram – pela via do estado de exceção, pela via da desobediência, pela via da anarquia.
Isso mostrou claramente que o segmento curitibano tomou conta de uma parte dos processos judiciais. O juiz Sérgio Moro, que é um juiz fora da lei, acha que é proprietário dos processos da Lava Jato e acha que é proprietário do corpo do ex-presidente.
O caso também trouxe questões de hierarquia dentro do poder judiciário. Por que você defende que ocorreu desobediência?
Um juiz de primeira instância não pode revogar nem se recusar a cumprir uma decisão de segunda instância, de órgão superior. Então, um juiz de primeira instância não pode se insubordinar contra uma ordem proferida e determinada por juiz de escalão superior, que foi o que Sérgio Moro fez.
Da mesma maneira, o desembargador Favreto é tão desembargador quanto Gebran Neto, quanto Thompson Flores. Pelo fato de ser presidente do tribunal, Thompson Flores tem uma hierarquia administrativa, não jurisdicional.
Os três [desembargadores] têm a mesma hierarquia jurisdicional – um não pode revogar a ordem do outro. E foi o que aconteceu com a revogação do decisão de Favreto. Essa ordem só poderia ser revogada por um órgão colegiado do próprio TRF ou pela instância superior, jamais da forma como foi feita.
Cabe alguma punição ao comportamento dos juízes?
Sérgio Moro praticou crime e ele tem que ser punido por isso, da mesma forma que os outros dois desembargadores [Thompson Flores e Gebran]. Nós já estamos terminando de assinar uma representação disciplinar contra Sérgio Moro e também o faremos contra os outros dois desembargadores no Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Até amanhã [quarta-feira, 11 de junho], vamos protocolar.
A presidente do STF, Cármen Lúcia, se pronunciou afirmando que a Justiça é impessoal, garantida a todos os brasileiros a segurança jurídica. Como você avalia a manifestação da ministra?
Ela, mais uma vez, emitiu uma nota vazia que não enfrenta a questão. Aliás, ela é a grande responsável pelo estado de anarquia em que está mergulhado o poder judiciário.
Então, a ministra Cármen Lúcia perdeu a oportunidade de deixar claro que uma ordem judicial tem que ser cumprida – logo ela, presidente do Supremo Tribunal Federal. Mas, mais uma vez, preferiu uma nota com platitude, com obviedade, que não resolveu coisa nenhuma, e pelo contrário, só serviu para aprofundar essa crise.
Como um dos autores do pedido de habeas corpus, qual o saldo, jurídico e político, desta disputa de domingo?
Embora não fosse isso que a gente pretendia – nosso objetivo era soltar o presidente Lula –, o saldo decorrente acabou sendo positivo, porque serviu para mostrar as vísceras do sistema de justiça brasileiro; mostrar que Sergio Moro, Gebran Neto e Thompsom Flores não gozam de qualquer imparcialidade e isenção para continuar atuando em processos que envolvam o presidente Lula.
Então, neste sentido, o saldo foi positivo porque teve um caráter pedagógico ao povo brasileiro que a chamada Operação Lava Jato não passa, na verdade, de um ajuntamento de perseguição judicial. Um método fascista de perseguição política a determinadas pessoas.
E quais serão os desdobramentos do caso? Ainda é possível recorrer da decisão do Thompson Flores?
A retratação disciplinar [pedida ao CNJ] não tem nada a ver com o processo em si. Agora, em relação ao processo, nós vamos ver que passos nós vamos dar daqui para frente, com calma e baixando a poeira.