Por Leonardo Mendes

É difícil a essa altura ainda chamá-lo de amigo, mas essa carta só é possível assim. Então, querido amigo que se dispor a lê-la, o tom será de respeito e consideração.

De fato, quem eu não respeito é Bolsonaro, e tu hás de convir que ele deu todos os motivos para isso. Poderia citar muitos, caso te falhe a memória, mas acredito que conheces bem todos eles e não te indignas tanto com o apoio a torturadores, milicianos, com o discurso homofóbico, machista, pedófilo, canibal ou de negação à ciência, vacinas, desmatamento…

Que tu aceitas isso tudo já entendi, mas tenho esperança de que ainda aches no mínimo estranho o tanto de denúncias que vimos recentemente sobre patrões coagindo trabalhadores a votar em Bolsonaro. Percebeste que não tivemos nenhuma notícia, acredito que nem mesmo no submundo do zapzap, de um patrão exigindo o voto no Lula? E tu és trabalhador meu amigo, e não patrão. Os interesses são bem diferentes, e eu jamais tentaria aqui convencer um grande empresário que a essa altura ainda apoia Bolsonaro a mudar de ideia.

Também acredito que já sabes muito bem que Bolsonaro não combate a corrupção. Pelo contrário, segundo o próprio Sérgio Moro, que foi seu ministro da Justiça e deixou o ministério afirmando isso categoricamente. O que Bolsonaro faz é dificultar as investigações, e ainda assim os escândalos se acumulam, tu bem sabes.

A família Bolsonaro enriqueceu com a política, de uma maneira assombrosa, e pode comprar 51 imóveis em dinheiro vivo, pagando em espécie. Não é curioso como o fato registrado em cartório dessas transações no mínimo muito atípicas, coincida com as denúncias sobre o esquema de “rachadinhas”, em que assessores devolviam também em espécie grande parte do salário à família Bolsonaro?

Quando tu falas então que não votas em Lula porque ele é corrupto, me parece simplesmente mentira. Ou para que teu pensamento tenha alguma lógica, seria necessário que também não votasse em Bolsonaro.

Lula não comprou em dinheiro vivo 51 imóveis, mas imagina se tivesse comprado? Lula foi preso por um único apartamento, o famoso triplex, que na realidade nunca comprou nem usufruiu. E quem o condenou foi Sérgio Moro, que teve a atuação reconhecidamente inválida, suspeita, para não dizer criminosa. Tudo o que eu te peço então é coerência.

É mentira também que o PT quebrou a Petrobras. Esse é um tema complicado, e sei que não tens muita paciência para entender questões mais complexas, e que Bolsonaro se aproveita disso para simplificar as coisas de modo que tu acredites que entendeu, e assim tu te sintas melhor. Mas foi no governo Lula que o pré-sal foi descoberto, uma riqueza gigantesca que pode fazer do Brasil auto suficiente em petróleo, só que para isso é necessário investir muito dinheiro em refinarias, ou o país seguirá exportando petróleo bruto e importando derivados, o que mantém o preço do combustível nas alturas do mercado internacional, atrelado ao dólar. A baixa recente do preço da gasolina é truque eleitoral, subsídio do governo, e tem data certa para acabar, logo após o segundo turno.

Bolsonaro se sustenta hoje apenas com truques semelhantes, que em curtíssimo prazo desaparecerão no ar e o que restará é miséria. A terra arrasada por garimpeiros, grileiros e representantes do agronegócio mais predatório, preocupados apenas em plantar soja e criar gado para exportação, enquanto os preços dos alimentos por aqui fazem com que as famílias procurem ossos e pele de galinha nos supermercados.

Ou qual o projeto de país sob o governo Bolsonaro? Um governo que trata o conhecimento científico e as universidades como inimigas pode ter algum futuro? Por mais que tu odeies o PT, parece impossível negar que foi o PT que fez com que o acesso à universidade se tornasse algo possível aos mais pobres. E que ainda há muito a conquistar nessa área, porém o que vemos nesse governo é apenas retrocesso, e a ciência brasileira definha com cortes e mais cortes de verbas para o básico e investimento nulo.

Por outro lado, as altas patentes militares são tratadas a picanha, vinhos nobres, viagra e prótese peniana. O ministério da Defesa teve seu orçamento multiplicado, ainda que quase nada tenha ido para investimentos, como ficou claro naquele tragicômico desfile de 7 de setembro com tanques de guerra que pareciam sucatas.

Ainda assim muito do dinheiro que deveria ir para educação e saúde foi parar nos bolsos de generais de pijama, e parte ainda maior foi para as mãos invisíveis de deputados do centrão no maior crime de lesa-pátria da história do país, conhecido como orçamento secreto.

Era isso que devia estar no centro do debate, mas sei que a religião também lhe é bastante cara. E também o que há de mais absurdo e vil na campanha bolsonarista. Lula foi presidente por oito anos e acredito que tu não consegues me apontar um único projeto ou discurso dele contrário às religiões, então essa é uma pauta em que operam apenas as fake news da máquina de guerra bolsonarista, para desviar o foco do que realmente está em jogo. A menos que tu sejas um fundamentalista que acredita que a tua fé deva ser imposta a todos, não há por que a religião ser tema de tanto debate nessas eleições.

O que está em jogo é o futuro dos direitos trabalhistas, da aposentadoria, do acesso dos mais pobres ao ensino superior, do meio ambiente, dos povos originários, do direito à diversidade, da saúde pública gratuita e universal, da ciência, da separação entre os poderes, do Estado laico e da democracia.

São esses temas que importam, ou deveriam importar também para ti, pois te afetam diretamente. A ti, a tua família, amigos e a todos que não lucram diretamente com o atual estado de coisas e se importam apenas em manter os privilégios oferecidos por esse governo. A questão é que tu não fazes parte dessa festa, não foste convidado e nem serás.

Teu patrão talvez tenha sido, o pastor milionário da tua igreja também, assim como o cantor sertanejo famoso e o jogador bilionário sonegador de impostos. É de fato uma grande festa, e eu entendo que queiras fazer parte. Só que é realmente algo muito exclusivo, organizado às custas da imensa maioria, a qual de fato pertences. Uma maioria que se organizar direitinho arromba o portão no dia 30 e acaba com a farra.

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