Publicado originalmente no Brasil de Fato
Por Eduardo Maretti
Diante da incapacidade de liderança e articulação do presidente Jair Bolsonaro, escancarada pela sua postura frente à pandemia do novo coronavírus, a influência do general Walter Braga Netto já ultrapassa oficialmente suas funções de ministro chefe da Casa Civil, exercendo, cada vez mais, as atribuições de “presidente operacional”. O Diário Oficial da União desta terça-feira (14) publicou uma resolução pela qual cria um grupo de trabalho interministerial que irá coordenar ações de recuperação da economia, integrado por membros de 15 ministérios e a Advocacia Geral da União.
Leia a resolução aqui.
O “Grupo de Trabalho para a Coordenação de Ações Estruturantes e Estratégicas para Recuperação, Crescimento e Desenvolvimento do País”, como é denominado, deverá apresentar a Braga Netto relatórios parciais de suas atividades a cada 15 dias.
O grupo – claro esvaziamento dos poderes do “superministro” da Economia, Paulo Guedes – atuará por até 90 dias, segundo prevê a resolução. Ao final desse prazo deverá apresentar ao ministro Braga Netto um Plano de Trabalho com “proposta de ações estratégicas para recuperação e retomada do crescimento econômico”.
Entre as atribuições do grupo de trabalho está a de “propor diretrizes para a destinação de emendas parlamentares por meio de articulação com o Congresso Nacional”.
Outras competências são propor “ações estruturantes para a retomada das atividades afetadas pela covid-19 em âmbito nacional” e fazer a articulação com estados, municípios, Distrito Federal e empresas públicas e privadas de ações coordenadas para a retomada.
O cientista político e ex-presidente do PSB Roberto Amaral vê uma crise institucional já instalada no país. “Temos uma presidência maluca e um governo de front. Não se sabe se a ponta do governo é o Bolsonaro, se é o general chefe da Casa Civil (Braga Netto), se é o ministério da Saúde. E o governo sem políticas sanitárias e de desenvolvimento. Ou seja, um governo perdido.”
Para ele, o horizonte é nebuloso. “Entre o final de maio e o mês de junho, o Brasil assistirá ao encontro, no alto, de duas curvas: a da pandemia de coronavírus, com suas consequências, e a curva da recessão, da parada da economia. E o fundo dessas duas crises é outra crise, a institucional” diz.
Em sua opinião, a esse quadro caótico, se avizinha para o segundo semestre outra grave crise, a social. “Qualquer que seja o governo vigente em julho, porque nós não sabemos, será um governo sem força, sem legitimidade, institucionalmente fraco e sem liderança nacional.”
Os fatores econômicos são claros. Cálculos do Fundo Monetário Internacional (FMI) dão conta de que o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro sofrerá uma brutal retração de 5,3% em 2020. A expectativa de janeiro, na análise do fundo, era de expansão de 2,2% em 2020.
Já na questão do emprego, depois de quatro anos de crescimento fraco e uma expansão “pífia” de 1,1% do PIB em 2019, o cenário é igualmente preocupante. Segundo cálculos do Dieese, os desempregados devem passar dos 17 milhões e podem chegar a 20 milhões de desempregados nos próximos meses.
Na opinião de Amaral, a esquerda brasileira não está devidamente esclarecida sobre o que está por vir. “Não estou vendo a gente se preparar para essa grande crise social do segundo semestre. Estamos nos perdendo na análise do aqui e agora, nas aparências e superficialidades. Por exemplo, se (o ministro da Saúde Luiz Henrique) Mandetta cai ou não cai, se o ‘capitão’ foi à padaria, se não foi, quando a coisa é mais profunda.”
Do lado do comando do país, no momento de uma crise inédita que abarca todos os setores, o país precisaria de um governo que o liderasse, considerando inclusive o modelo de regime presidencialista vigente. “Não há nenhuma condição do Bolsonaro liderar o país, até porque ele tem demonstrado que não está interessado nisso, mas em liderar uma facção.”
Roberto Amaral mora no Rio de Janeiro e diz à reportagem que está seguindo a quarentena rigorosamente. “Porque tenho 80 anos. Minha filha faz as compras e deixa na portaria. É muito complicado”, diz.
Os números oficiais mais recentes da pandemia de coronavírus, divulgados nesta terça, avançam no país, que registrou 204 mortos nas últimas 24 horas, chegando a um total de 1.532 óbito, com o número de casos chegando a 25.262. O estado de São Paulo registrou 9.371 casos confirmados e 695 mortos, dos quais 87 nas últimas 24 horas, recorde até o momento.