REPORTAGEM ORIGINALMENTE PUBLICADA EM 22/07/2014, REPUBLICADA AGORA POR OCASIÃO DA OPERAÇÃO DE NEYMAR NO MATER DEI, O MESMO HOSPITAL ONDE AÉCIO NEVES SE INTERNOU, PARA TRATAR DE FRATURAS.
Ambos mineiros, Aécio Neves e Zezé Perrella torcem pelo mesmo time de futebol, o Cruzeiro, do qual Perrella foi presidente, e jogam juntos no primeiro escalão da política do estado. Nas eleições estaduais deste ano, o PDT de Perrella, que apoia o PT no plano nacional, fechou com o PSDB em Minas.
A maior demonstração da força de Perrella no coração político de Aécio se deu quatro anos atrás, na disputa para o Senado. Itamar Franco havia trocado o PMDB pelo PPS e sido indicado para disputar uma das duas vagas ao Senado – a outro era de Aécio.
Com 80 anos de idade, Itamar queria José Fernando Aparecido, hoje no PV, como seu primeiro suplente. José Fernando é filho de um antigo aliado de Itamar, o ex-governador do Distrito Federal José Aparecido. Mas Aécio impôs o nome de Perrella.
“Todo mundo nos bastidores achava que Aécio queimaria o Itamar, permitindo votos no candidato do PT ao Senado, Fernando Pimentel, como parte de uma estratégia para agradar aos eleitores petistas no Estado, que deram a vitória a Lula em 2002 e 2006 e a Dilma em 2010”, diz o deputado estadual Sávio Souza Cruz, aliado de Itamar, homem forte de seu governo entre 1999 e 2003.
“Mas o Aécio trabalhou muito pelo Itamar. Hoje se sabe que ele pedia votos para o ex-presidente, mas o que queria mesmo é colocar Perrella no Senado”, acrescenta.
Pouco mais de um ano depois de eleito, aos 81 anos, Itamar faleceu de leucemia aguda, e Perrella assumiu uma cadeira no Senado, herdando sete anos de mandato.
A união entre o PDT de Perrella e o PSDB de Aécio é um capítulo de uma aliança que não se limita à política.
A promotoria de Defesa do Patrimônio Público de Minas Gerais encontrou as digitais de Perrella em diversas investigações que tem realizado sobre o governo de Aécio.
A família Perrella aparece nos inquéritos abertos para investigar a concessão dos restaurantes da Cidade Administrativa, a maior obra de Aécio no estado, a venda de refeições para os presos, a fraude fiscal na venda de carnes e o convênio para a produção de alimentos para o programa Minas Sem Fome.
Tamanha proximidade não recebe destaque na cobertura da imprensa mineira, especialmente no maior jornal local, “O Estado de Minas”, em que notícias consideradas negativas ao ex-governador já resultaram em demissões.
O jornal concorrente, “Hoje em Dia”, chegou a publicar reportagens que deram origem à investigação do Ministério Público. Mas a propriedade do jornal trocou de mãos, e o veículo agora menospreza até os desdobramentos dos furos de outros tempos, como aconteceu no caso da produção de alimentos para o Minas Sem Fome.
As críticas se limitam à internet, mas, mesmo aí, a resposta é pesada, como aconteceu no caso do jornalista Marco Aurélio Carone, que foi preso em janeiro e seu site, “Novo Jornal”, foi retirado do ar por decisão da Justiça.
Filho de um ex-prefeito de Belo Horizonte, Carone é acusado de publicar informações falsas com o objetivo de buscar vantagens indevidas. Sua verborragia é antiga, mas ele foi para trás das grades depois que começou a divulgar informações que relacionam Aécio à cocaína e ao helicóptero dos Perrellas, o Helicoca.
No despacho que o mandou para a cadeia, a juíza Maria Isabel Fleck justifica sua decisão como medida para evitar que ele continue “a utilizar o seu jornal virtual para lançar informações inverídicas”.
Na prisão, Carone teve um enfarte e, internado, recebeu a visita de deputados da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa. Um dos deputados gravou um depoimento de Carone, em que ele diz que foi preso alguns dias depois de obter a informação de que a filha de Aécio viajou no Helicoca.
Ouvido pelo Ministério Público em Minas, o ex-piloto de Perrella, Rogério Almeida Antunes, não citou o nome da filha de Aécio entre os passageiros do helicóptero, nos tempos em que a aeronave levava celebridades com combustível pago com dinheiro da Assembleia Legislativa.
Carone também divulgou em seu site a notícia de que Aécio teria sido internado, com overdose de cocaína, no hospital Mater Dei, de Belo Horizonte.
Eu conversei com funcionários do hospital e ouvi que Aécio já esteve, de fato, internado lá, e soube que, no último programa de treinamento para funcionários da segurança, o ex-governador foi citado como um paciente do hospital.
Procurei a direção do hospital Mater Dei, à qual encaminhei quatro perguntas:
1) É fato que o senador Aécio Neves esteve internado no Mater Dei?
2) Quando ocorreu a internação e foi em decorrência de que problema de saúde?
3) O hospital já mencionou em programa de treinamento que tem o senador Aécio entre seus pacientes. Por que é feita a menção?
4) É fato que o hospital mantém uma área permanentemente reservada para o senador?
A resposta do hospital veio dois dias depois:
“O senador Aécio Neves esteve internado uma única vez no Hospital Mater Dei, em 2011, para tratamento de fraturas sofridas em episódio amplamente coberto e divulgado pela imprensa. O atendimento foi prestado pelos ortopedistas Rodrigo Lasmar e Marco Antonio de Castro Veado. O Hospital não faz este tipo de reserva para pacientes e rechaça com veemência as falsas e caluniosas insinuações constantes nas perguntas”.
Para o deputado Rogério Correia, do PT, uma das vozes de oposição em Minas, essa boataria em torno de Aécio não deve ser usada como arma política, em nenhuma hipótese, mas é impossível, segundo ele, retratar o ambiente político em Minas sem citar a cocaína como um problema real para Aécio Neves.
“Acho que essa falação começou porque Aécio era visto em BH como um playboy. Em 1992, ele disputou e ficou em terceiro lugar nas eleições para prefeito. Não era levado muito a sério. A situação mudou depois que se tornou presidente da Câmara dos Deputados, com apoio do Fernando Henrique Cardoso”, analisa.
Em Minas, não faltam teorias sobre o que teria levado Aécio a deixar de ser o neto playboy de Tancredo e se tornar um político competitivo.
Mas, num ponto, todos concordam: por trás do homem que deixou de ser o Aecinho (Aécim na pronúncia mineira) para se tornar o governador, está o braço forte de uma mulher.
É Andréa Neves, irmã de Aécio e em quem o avô Tancredo via talento político, mas de quem guardava uma enorme distância ideológica.
Nos tempos em que cursava jornalismo na PUC do Rio, Andrea era vista como simpatizante do PT e frequentava as rodas da esquerda. No episódio em que explodiram a bomba no Riocentro, ela estava no show em comemoração ao Dia do Trabalhador.
Nas voltas que o mundo dá, 22 anos depois, no governo do irmão em Minas Gerais, Andrea respondeu formalmente pela assistência social, mas cuidava de outros assuntos, como o relacionamento com a imprensa.
O ex-diretor da Rede Globo em Minas Gerais, Marco Nascimento, conta que foi demitido depois que a emissora mostrou em rede nacional que o crack era consumido livremente numa área do centro de Belo Horizonte, numa reportagem interpretada como falha na política de combate às drogas no governo de Aécio Neves.
Depois da reportagem, segundo Marco, Andrea foi ao Rio de Janeiro se queixar ao diretor de jornalismo. Voltou com a cabeça de Marco Nascimento na bagagem.
Andréa também assumiu a propriedade da rádio Arco Íris, de Minas Gerais, depois que Aécio se elegeu governador, para evitar uma situação de ilegalidade.
Mas o indício de que se tratou de uma mudança de fachada veio à tona depois que, parado numa blitz policial no Rio de Janeiro, Aécio Neves se recusou a fazer o teste de bafômetro e teve a carteira de habilitação apreendida.
É que, como resultado da blitz, a Polícia do Rio de Janeiro mandou ao Detran de Minas Gerais a cobrança de uma multa.
A multa vazou na internet, com a informação de que o carro de Aécio estava em nome da rádio Arco Íris.
A rádio tinha um patrimônio declarado modesto, de apenas 200 mil reais, mas contava com uma frota de doze carros de luxo.
A oposição e o Ministério Público tentaram investigar o uso da rádio como fachada para bens pessoais de Aécio, mas os inquéritos não prosperaram.
O argumento dos deputados é que, sendo a rádio propriedade de Aécio, ela não poderia ter recebido verbas públicas, na forma de anúncio publicitário, durante seu governo.
O então procurador-geral da República, Roberto Gurgel, a quem cabia a investigação de quem tem foro privilegiado, como é o caso de senador, arquivou a denúncia feita por deputados de oposição.
Gurgel tomou a decisão pouco antes de deixar o cargo de procurador-geral, em que se destacou pelo rigor na denúncia contra os petistas acusados de envolvimento no mensalão.
Paralelamente, o promotor João Medeiros, da Defesa do Patrimônio Público de Minas, abriu inquérito civil. Mas foi barrado pelo procurador-geral de Justiça do Estado, Alceu José Torres Marques, sob o argumento de que a prerrogativa para investigar o ex-governador era dele, não do promotor.
De nada adiantou o argumento de que o promotor queria investigar o repasse de verbas. Prevaleceu a tese de Alceu e, em suas mãos, a denúncia foi para o arquivo.
Depois de deixar a Procuradoria, Alceu foi nomeado secretário estadual do Meio Ambiente, cargo que ocupa atualmente no governo mineiro que Aécio ajudou a eleger.
No último carnaval, a marchinha eleita pelos ouvintes num concurso promovido pela rádio Inconfidência é uma bem humorada crônica sobre o Helicoca.
Na letra de Alfredo Jackson, Joilson Cachaça e Thiago Dibeto, a marcinha fala de um baile onde deixaram o Pó Royal cair no chão, e “o pó rela no pé” e o “pé rela no pó.”
Na canção, os sambistas perguntam: “Esse pó é de quem estou pensando?” Em seguida, respondem: “Ah, é sim! “Ah, é sim!”. Mas concluem: “Você sabem, eu também sei de cor. Mas não conta que vai ser melhor.”
Para o Carnaval de 2015, tem gente apostando suas fichas num outro tema incômodo para Aécio Neves: o aeroporto que o estado construiu no município de Cláudio, onde o ex-governador tem uma fazenda.
O aeroporto foi construído na fazenda do tio-avô dele, com dinheiro público, durante seu governo. Mas só os amigos podem aterrissar.