Por Ricardo Miranda
Você acha que o que escreve, posta e deleta nas redes é minimamente seguro, confia nas suas senhas e autenticações, troca informações privadas em canais que acredita invioláveis, entra em sites desconhecidos que, se fossem um bar, passaria longe e, ilusão máxima, crê que nunca será hackeado, clonado, invadido?
Duvida mesmo que alguém não só fabricaria diálogos, vídeos e fotos suas – com o uso já corriqueiro de Inteligência Artificial -, como vazaria o que você tiver arquivado de mais íntima e pessoal?
Por diversão, vingança, extorsão ou interesses escusos, inclusive chantagem política? A invasão do perfil da primeira-dama Janja no Twitter/X, na opinião de analistas de informações sérios ouvidos pelo DCM, todos ex-hackers, é o mais sério caso de uma pessoa exposta politicamente, as chamadas PEPs, no atual governo.
E, com a implosão do “Gabinete do Ódio”, mostram que o perigo continua, e nem sempre virá articulado. São os “homens-bomba” da rede, que, aproveitando-se das falhas óbvias de segurança no acesso às redes no alto escalão do governo, podem criar um pandemônio. O Planalto, hoje classificado por eles como porta arrombada, precisa urgentemente montar um bunker de cybersegurança 24 horas assessorada pelos melhores ex-hackers do mercado. Essa área já existe? Se existe, virou piada.
Não existe, deveria ser a urgência número um, telefone vermelho, protocolo máximo. Mas cada Comunicação vê o mundo com suas cores. A “notinha no Lauro”, para eles, pode ser a prioridade do dia, sabe-se lá.
O fato é que, no mundo real, ex-hackers ouvidos -, ninguém mora no Brasil, trabalham para governos e corporações multinacionais de Portugal até a China – repetem em uníssono: que o caso Janja não sirva como “trunfo” para a polícia estatal soltar fogos de artifício, nem trombetear que capturou o “pirata-menino” de 17 anos da cidade-satélite Sobradinho (DF) como se apresentasse para o mundo as impressões digitais do “Capitão Gancho”. Não é. Como disse bem o presidente Lula, justamente na Conferência Nacional de Juventude, em Brasília, não passa de um “moleque” disseminando o ódio. Janja classificou os posts como “machistas e criminosos, típicos de quem despreza as mulheres, a convivência em sociedade, a democracia e a lei”. É um misto de tudo isso, Lula e Janja têm razão.
O DCM conversou, sob o compromisso do anonimato, por telefone – mensagem criptografada, de ponta-a-ponta, – com ex-hackers do momento – alguns deles oriundos do histórico Movimento Transparência Hacker, de ativismo online, que tirava sites estatais do ar, mas que no governo Dilma Rousseff foram chamados a ajudar, garantindo mais segurança aos portais governamentais – incluindo aí a construção da Lei de Acesso à Informação, aprovada no final de 2011.
Na época, a proposta foi revolucionária. A ideia de que hackers pudessem produzir alternativas e contribuir mais profundamente com a transparência, com biometria, criptografia, virou, porém, no governo Bolsonaro – que queria justamente o lado sombrio da força. Trocou a moeda e houve uma arregimentação de pilantras da zona cracker, especialistas em fazer maldades. E isso é o que se ouve, no momento em que o perfil de Janja é invadido, é hora de reconhecer: hora de avançar na estrutura para a solução de crimes cibernéticos.
Até porque, dizem esses especialistas, este não deve ser o primeiro ou o último caso de hackeamento nos altos escalões dessa administração federal, ainda que não sejam casos orquestrados após a implosão do “Gabinete do Ódio”. As gengivas estão intactas, mas o nervo está exposto. E não se sabe – mesmo – quem do governo Bolsonaro continua por lá “prestando serviços”, atendendo as emoções negativas e fortes – um agente duplo, civil ou militar, pra falar francamente.
Conselho um do planeta hacker: se não existe – seria inacreditável – criem uma sofisticada área de cybersegurança 24 horas, de alto nível, dentro do Planalto. Não escrivães, nem papiloscopistas, pelo amor de Deus, gente de TI, ex-hackers, quem tenha mestrado em – nas palavras de um ex-ativista – “fazer merda nas redes”. Segundo: não subestimem o hackeamento do perfil da primeira-dama como “pichação virtual”, embora todos convirjam em achar que trata-se de um lobo solitário que, no máximo, agiu com um ou outro amigo, por curtição eletrônica, mas com motivação política.
Embora de baixa sofisticação intelectual, o rapaz mandou claramente um recado político-partidário para seu nicho, e isso não pode ser subestimado hoje em dia depois de tudo o que vivemos – o velho manual anti-petista nas galáxias, com seu ódio, preconceito, machismo, misoginia, sexismo, desumanidade. “Esse fenômeno é mundial. Cada país tem controles melhores ou piores, e uma legislação qualquer, estão todos se adaptando.
No campo criminal, do exemplo para a sociedade, o que conta é, resultado. Hoje isso chamado de cyberterror. O fato de ser um garoto ignorante, nutrido pelo que lê nas suas redes, não o absolve dos resultados, de que não quis diminuir a figura da primeira-dama”, pondera um hacker. O detrator não pode ficar solto, injuriando, difamando as pessoas, seja gritando em praça pública ou nas redes”, diz o analista, lembrando o mundo altamente informatizado em que vivemos. O governo federal, diz ele, parece estar falhando em cybersecurity, e abrindo janelas para hackers – sejam bolsonaristas freelancers, como parece ser o caso dos agressores de Janja, sejam quadrilhas reais, que podem se encorajar para se organizar na deepweb esperado uma falha no sistema.
A apuração do caso Janja ficará sob a responsabilidade da Diretoria de Crimes Cibernéticos, que abriu um inquérito, mas na avaliação especialistas crimes cibernéticos da rotina precisam de cyberdelegacias, bem equipadas – no mínimo tanto quanto eles – com experts por todo o país. Como quem combate uma epidemia com especialistas. Não apenas delegacias “especializadas em crimes tecnológicos”, como pirataria digital, furto de dados, e pornografia infantil.
O que se discute hoje, dizem especialistas em inteligência de redes, apaixonados por internet, por TI e por segurança da informação, não é por quem Janja foi hackeada – isso é a “franja” da investigação. Hackers perdidos numa rede suja. A questão é a facilidade com que agiram, mostrando que essa pode ser apenas a ponta do iceberg de um grande problema que afeta nossa inteligência/contra inteligência.
“Esse é um rapaz de direita, reacionário, raso, e quis deixar a marca de suas botas nas redes da primeira-dama. Mas a forma como ele invadiu e o que ele fez com isso é vazio e sem metas, não demonstra planejamento. Ele poderia ter feito coisas muito mais complexas se tivesse o apetite ou o padrinho político por trás mandasse, como adulteração de fotos, vídeos e textos”, pondera esse ex-hacker. “E se tivesse esse padrinho?”, pergunta.
Outro ex-hacker, hoje especialista em rastrear hackers na corporação que o remunera, apoia as cyberdelegacias, mas concorda que, como estão formatadas hoje, elas não adiantariam nada. “Não são capazes de atender às demandas dos crimes digitais porque o time com que trabalha não é digital, é o tradicional, delegados de outra geração, sem conhecimentos profundos e perícia em computadores e sistemas de informação. Nesse meio, é preciso saber fazer as perguntas certas, senão é tatear no abismo”, conclui. Ele diz desconhecer – espera estar errado – qualquer estado brasileiro que tenha investido, em homens e ideias, para criar uma cyberdelegacia investigativa de verdade, que não seja para inglês ver.