Caso Marielle: Quem é o delegado que Bolsonaro ataca “para inibir a imparcial apuração da verdade”. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 4 de novembro de 2019 às 8:18
Bolsonaro, o delegado Daniel Rosa e o porteiro, um homem sem nome e sem rosto

A nota das entidades que defendem os delegados de polícia do Brasil tem um parágrafo de especial gravidade.

“Valendo-se do cargo de Presidente da República e de instituições da União, claramente ataca e tenta intimidar o Delegado de Polícia do Rio de Janeiro, com intuito de inibir a imparcial apuração da verdade”.

O texto é assinado pela Associação do Delegados de Polícia do Brasil (Adepol), a Federação Nacional dos Delegados de Polícia Civil do Polícia Civil (Fendebol), o Sindicato dos Delegados de Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro (Sindepol-RJ), o Sindicato dos Delegados de Polícia Civil do Estado do Amazonas (Sindepol-AM) e a Associação dos Delegados de Polícia do Pará (Adepol-PA).

É impossível que este texto tenha sido escrito e divulgado sem conhecimento — e talvez até a solicitação — do delegado que está sendo atacado por Bolsonaro.

O delegado é Daniel Rosa, que assumiu a chefia da Delegacia de Homicídios no Rio de Janeiro em março deste ano, depois que o antigo titular, Giniton Lages, deixou o órgão, após a prisão de Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz, aprontados como autores do assassinato da Marielle.

Em maio, dois meses depois de assumir a Delegacia, Daniel esteve à frente de uma das operações mais contundentes contra as milícias da Zona Oeste, que prendeu mais de 20 pessoas ligadas à quadrilha de um criminoso conhecido como Orlando Curicica.

Entre os presos, estavam dois homens suspeitos de clonar o carro usado no assassinato de Marielle e que entrou no condomínio de Bolsonaro, na tarde do crime.

Também foi preso Charles Dickson Pereira da Silva, que o Ministério Público apontaria, na denúncia, como “membro da malta que atuou na tentativa de homicídio do Delegado de Polícia Civil Daniel Rosa.”

Sim, o delegado que Bolsonaro aponta como “amiguinho do governador Witzel” já sofreu atentado da milícia.

Como, onde e por que são informações que o MP e a Polícia mantêm sob sigilo. Mas o registro da tentativa de homicídio foi feito na denúncia contra a quadrilha.

Por que Bolsonaro estaria tentando “intimidar” um policial com esse perfil? Por que Bolsonaro estaria agindo com “intuito de inibir a imparcial apuração da verdade”, como diz a nota?

Seria por que o delegado tomou o depoimento do porteiro do condomínio?

E o delegado teria outra opção depois que apareceu o registro manuscrito de controle da portaria de 14 de março de 2018, dia em que Marielle foi assassinada?

O registro informa que o assassino da vereadora entrou no condomínio para ir à casa 58.

O que um policial minimamente comprometido com a apuração dos fatos deveria fazer?

Ouvir o responsável pela anotação e perguntar a ele de quem é a casa 58 e com quem ele conversou para autorizar a entrada do criminoso.

E foi isso o que fez.

Como a resposta para ambas as questões foi Jair Bolsonaro, o que o delegado deveria fazer em seguida?

Ir atrás de Jair Bolsonaro, mas, como se trata do presidente da república, isso ele não pode fazer, a menos que tenha autorização do Supremo Tribunal Federal.

E ele foi atrás dessa autorização.

O MP procurou o STF para comunicar que Bolsonaro foi citado na investigação e, portanto, deveria ser ouvido.

Mas aí é que a investigação travou.

O presidente do STF, Dias Toffoli, não autorizou.

Remeteu o caso ao procurador-geral, Augusto Aras, que, depois da reportagem do Jornal Nacional e da reação destemperada de Bolsonaro, mandou arquivar o caso.

Daí a contundência das nota assinada pelas entidades dos delegados: “Valendo-se do cargo de Presidente da República e de instituições da União, claramente ataca e tenta intimidar o Delegado de Polícia do Rio de Janeiro, com intuito de inibir a imparcial apuração da verdade”

Bolsonaro conseguiu o que queria: parou a investigação num ponto crucial.

Ao mesmo tempo em que o caso chegou ao STF, o porteiro — sem nome e sem rosto — recebeu férias.

Há 27 dias, precisamente depois que Witzel contou a Bolsonaro que o nome dele tinha sido citado na investigação, o porteiro deixou a portaria. Voltará? Findo o período de férias, deveria.

Mas, com o escândalo, é difícil que aconteça. Note-se que Bolsonaro tem poupado o porteiro de seu furor acusatório.

O porteiro é o homem que sabe tudo e, como já se disse aqui, não pode ficar sozinho nas mãos de Sergio Moro e dos subordinados de Augusto Aras.

Os dois já demonstraram que, ao contrário do delegado Daniel Rosa, não estão interessados na verdade, mas em punir quem, aparentemente, está fazendo seu trabalho:

O porteiro anotando quem entra no condomínio e o delegado procurando saber se o porteiro fez a anotação corretamente.

Já Bolsonaro tenta ganhar no grito, com ajuda de Moro, Aras e da Record.