“Caso Mourão assuma, a tendência é romper com a política bolsonarista”, diz historiador, autor de livro sobre os militares

Atualizado em 26 de maio de 2019 às 10:38
Vice-presidente general Hamilton Mourão / Evaristo Sá/AFP

PUBLICADO NO PORTAL DA REDE BRASIL ATUAL

POR VITOR NUZZI

Quando concluiu sua dissertação de doutorado, em 2011, os militares viviam em “relativo ostracismo político”, observa o historiador Guillaume Saes, autor do livro O Desenvolvimento Brasileiro Segundo a Visão Militar 1880-1945 (editora Prismas), tema de debate nesta semana que levou a uma série de questionamentos sobre a volta de representantes das Forças Armadas ao palco principal do poder, no atual governo. Em encontro promovido pelo Centro de Documentação e Memória da Universidade Estadual Paulista (Cedem-Unesp), Saes teve de responder perguntas sobre a relação de Jair Bolsonaro com os militares e a crescente presença do vice Hamilton Mourão, que para o pesquisador “parece um militar mais alinhado com o Centrão”, em referência ao bloco parlamentar com o qual o Executivo tenta se entender.

“A impressão é que, caso ele (Mourão) assuma o poder, a tendência é romper com a política bolsonarista”, comentou o historiador, que em 2011 teve aprovada dissertação no Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP). O seu trabalho abordou três períodos históricos brasileiros: o movimento republicano no final do século 19, o chamado tenentismo das décadas de 1920 e 1930 e o Estado Novo (1937-1945). Ele anotou a presença constante de visões distintas – com as consequentes tensões políticas –, como a de militares nacionalistas e pró-Estados Unidos.

O professor da Unesp Paulo Cunha, que assessorou a Comissão Nacional da Verdade, considera que o livro de Saes, publicado em 2015, “recoloca um debate contemporâneo”, ainda mais considerando a possibilidade de que uma ala militar esteja “decepcionada” com o atual presidente da República. Na plateia, em auditório do Cedem na região central de São Paulo, estavam o ex-preso político Anivaldo Padilha, o militar reformado Francisco Jesus da Paz, que em 1964 apoiava as reformas defendidas pelo governo João Goulart e também foi preso e torturado pela ditadura, e o cientista político Décio Saes, pai do expositor.

Ao opor-se ao regime monárquico, na década de 1880, a oficialidade militar “defendia uma política baseada na indústria nacional, um projeto embrionário, ainda impreciso, que não se afastava dos princípios do liberalismo econômico”, diz o pesquisador. Já o período do tenentismo trouxe, segundo ele, um “reformismo pequeno-burguês”, defendendo a pequena propriedade rural e a pequena indústria, com reformas sociais. expansão do mercado interno e um Estado mais moderno e centralizado. Por fim, o militarismo do Estado Novo, período ditatorial de Getúlio Vargas, identificava-se com um processo de intensa industrialização, em setores como siderurgia e o de petróleo, em um país que abandonava o até então predominante modelo agrário.

Em todos esses momentos históricos, assinala Saes na dissertação, a militância política dos militares “esteve essencialmente comprometida com o desenvolvimento e a indústria”. Na sua análise, ele não aborda o período de 1964, mas não deixa de considerar que o grupo vitorioso no golpe estava identificado com um projeto de visão pró-americana e associado ao capital estrangeiro. Certa dissidência mais nacionalista teria sido “sufocada internamente”, diz o pesquisador, citando ainda o governo Ernesto Geisel, por vezes apontado como mais nacionalista: “Não creio que tenha contestado o modelo econômico do regime”.

Várias vezes questionado sobre Mourão, ele observa que durante o período da campanha eleitoral, no ano passado, o militar parecia “um neoliberal incondicional”, apoiando o atual ministro da Economia, Paulo Guedes. Agora, aparentemente tenta dar “nuances” às posições do governo, saindo do neoliberalismo e apontando, talvez, para o que ele chama de um “dirigismo moderado” na economia, menos hostil com a China e que possivelmente romperia com a atual política de “agressão” contra o setor da educação. Enquanto isso, Bolsonaro estaria “transformando o pró-americanismo numa pedra angular” de seu discurso. Para o historiador, o presidente, apesar de sua origem militar, se ancora em um conservadorismo de base civil.

“Entender a história do intervencionismo militar não é suficiente para compreender os dias de hoje, mas é necessário”, afirma o pesquisador. Ele acredita que a solução para o Brasil passa por um retorno do nacional-desenvolvimentismo. “Tem de voltar a ser uma pauta de desenvolvimento econômico e social.”