O governador de São Paulo e candidato à reeleição, Rodrigo Garcia (PSDB), em uma de suas peças de propaganda eleitoral na TV, afirma que, aos 48 anos, “é novo mas não é novato”. Em outra peça, conta que veio de sua cidade natal, Tanabi, na região de São José do Rio Preto, para São Paulo para estudar Direito, aos 18 anos de idade. Em outra, conta que começou a “gastar a sola de sapato muito cedo”, por isso já foi vice-governador e secretário estadual de diferentes pastas, de cinco governadores diferentes.
Não conta que secretariou – sempre – enquanto também era deputado estadual ou federal, acumulando cargos públicos. Sua legislatura federal de dois mandatos (2011-2019), não conta ele, passou-se sob licença, enquanto ele secretariava.
Também deixa de contar que atuava enquanto dividia o banco da academia de Direito (em qual faculdade se formou, também não conta), desde o terceiro dos cinco anos de duração do curso, não como um estagiário em uma banca, mas com a cadeira de secretário-adjunto da Agricultura do Estado de São Paulo, cargo que assumiu em 1995, a convite do então secretário, Antônio Cabrera Mano Filho.
Tampouco conta que, concomitantemente ao estudo das leis e às funções de secretário-adjunto do Estado de São Paulo, assumiu no mesmo ano de 1995 uma cadeira no Conselho Administrativo da CODASP – Companhia de Desenvolvimento Agrícola de São Paulo -, posto que ocupou por dois anos, dos 21 aos 23. Essas são só algumas coisas que ele não conta.
O pai de Rodrigo Garcia também aparece na propaganda de televisão. O “seu Paulino”, a quem Rodrigo vai visitar, surge logo no primeiro programa, na Fazenda Garcia. “Hoje estou mostrando as minhas raízes”, diz o candidato.
Não conta que “seu Paulino” é Paulino Locatelli Garcia, fazendeiro e empresário de diversificados ramos entre agricultura, logística e transporte, às vezes em sociedade com pessoa condenada pela Justiça por desvio de verbas milionárias do município de São Paulo (veja mais abaixo).
Nem conta sobre a amizade de longa data de seu Paulino com Antônio Cabrera Mano Filho, veterinário e fazendeiro da região de Rio Preto. Um dos filhos de seu Paulino – por sua vez também chamado Paulino Garcia, mas sem o “Locatelli”, morto em 17 de maio de 1993, em um acidente de trânsito, o que não o impediu ou impede de seguir atuando nesta Terra, de uma forma ou de outra, como se verá – fora nomeado, em 1990, aos 26 anos, coordenador de Modernização e Informatização do Ministério da Agricultura. Um ano depois, fora promovido a secretário executivo do Ministério da Agricultura. Tudo isso por obra e convite daquele que foi o ministro da Agricultura de Fernando Collor de Mello por todo seu encurtado mandato, de 1990 a 1992: Antônio Cabrera Mano Filho.
Assim, em 1995, quando Cabrera ocupava o cargo de secretário da Agricultura do Estado de São Paulo, sob o então governador Mário Covas, foi apenas natural que fosse oferecido ao estudante Rodrigo Garcia o mesmo cargo de secretário-adjunto, ainda que esfera estadual, que fora ocupado pelo irmão antes do acidente fatal, o mesmo tendo se dado com a nomeação a conselheiro da CODASP – o mais jovem da história da estatal a ocupar tal board da empresa, aliás, colocada em processo de extinção em 2019, pelo então governador João Doria, cujo vice era Rodrigo Garcia. Tal processo segue em curso e execução, agora sob o governo Garcia.
Há um terceiro filho, ou segundo irmão: Marco Aurélio Garcia. Este, como amplamente noticiado na imprensa, é condenado pelo crime de lavagem de dinheiro para a máfia de fiscais que lesou a Prefeitura de São Paulo em R$ 500 milhões, fato que se deu concomitantemente ao tempo em que Rodrigo ocupava um cargo em secretaria na capital paulista.
Sobre tal coincidência, contou Rodrigo, em uma resposta durante um debate eleitoral, que nada tivera a ver com os malfeitos do irmão, que não tomara conhecimento dos crimes à época, e que o irmão que pagasse o que devesse à Justiça, não podendo responder, ele, pelos malfeitos do outro, até porque com Marco Aurélio sequer mantém relação.
Apenas deixou de contar que uma das filhas e sócia de Marco Aurélio Garcia, sua sobrinha Caroline Zangerolami Garcia, era advogada de sua esposa (TJ-SP, processo público nº 1123013-20.2017.8.26.0100), Luciana Mara Martin Garcia, que por sua vez também contrata os serviços jurídicos de André Luiz Paes de Almeida, marido da sobrinha Caroline, sócio da banca Paes de Almeida e Garcia Sociedade de Advogados.
Caroline também é empresária com cotas em numerosas firmas de participações, nove ao todo, incluindo uma chamada Afg Administracao de Bens S/A. Nessa empresa, a sobrinha de Rodrigo Garcia é sócia de Francislene Assis de Almeida Correa. Francislene é esposa do deputado federal Eli Corrêa Filho (União Brasil-SP).
Em abril de 2016, ela foi condenada a devolver R$ 30 milhões aos cofres públicos paulistas depois que uma investigação do Ministério Públicou descobriu superfaturamento em desapropriações do governo do Estado de terrenos de que Francislene era dona. Em outubro do mesmo ano de 2016, ela doou R$ 156 mil à campanha do marido, mesmo estando, à época, com os bens bloqueados pela Justiça há seis meses. Durante todo este tempo, Rodrigo Garcia era o secretário estadual de Habitação.
Voltando a Marco Aurélio Garcia, o irmão condenado de Rodrigo. O pai, Paulino Locatelli Garcia, do alto de seus agora 83 anos, contou recentemente ao portal UOL que sabe separar o valor e a índole de cada filho, e sabe também qual é o caminho em que acredita:
Se ele (Marco Aurélio Garcia) vai carregar nas costas algum arrependimento (pelos crimes que cometeu), isso é problema dele. Se não quiser se arrepender, também é problema dele. Família é importante, mas nosso compromisso deve ser maior com os irmãos do Caminho e o cuidado com o próximo.
Sobre os irmãos do caminho, volta-se em breve. Sobre os eventuais arrependimentos do filho Marco, não contou Paulino Locatelli Garcia se poderiam ou não também serem os seus, posto que, não só pai, mas também sócio foi do filho condenado, o que fora condenado por utilizar empresas de participações de fachada para lavar dinheiro desviado da cidade São Paulo, conforme concluiu a Justiça e ninguém nega.
Paulino Locatelli Garcia se absteve de contar a respeito da empresa Pirineus S/A, CNPJ 09.196.337/0001-90, a firma presidida por seu filho Marco Aurélio Garcia desde 19 de agosto de 2008, da qual se tornou sócio-diretor em 4 de novembro de 2011. A firma cuja CNAE (Classificação Nacional de Atividades Econômicas) é a de número 6462-0/00, qual seja, “holdings de instituições não financeiras”, assim descrita na forma da lei:
Entidades controladoras das participações (share ou capital) de um conjunto de companhias, tal que suas atividades predominantes não sejam financeiras.
Em fevereiro de 2020, a Pirineus concluiu as negociações que já duravam quase um ano e adquiriu a fabricante de carrocerias e empresa de participações em empreendimentos imobiliárias Truck Galego, do município de Votuporanga, na região de São José do Rio Preto. Só com esse negócio, “seu Paulino” e Marco Aurélio Garcia tornaram-se sócios de um grupo com capital social de R$ 73,4 milhões.
Paulino Locatelli Garcia não se importou em contar, também, que fora, em 20 de fevereiro de 2013, sócio-fundador da Fazenda Serradinho, cuja razão social é GMS Agropecuária Empreendimentos e Participações S/A. Tivesse contado, poderia ter acrescentado que tal empresa, a partir de 27 de setembro de 2016, passou a ser alvo de uma perseguição de crédito judicial, acusada de fraudar uma execução falimentar de R$ 26.013.728,28, após acumular por anos uma fila de calotes em credores, fornecedores, trabalhadores e no Fisco.
Poderia, por fim, ter contado que, ao encontrar vazios os cofres da empresa, tais credores foram em busca do patrimônio em nome de Caroline Zangerolami Garcia, a advogada da esposa de Rodrigo, pois a filha de Marco Aurélio havia recebido doações de imóveis do pai sob suspeita de que este buscava ocultar seu próprio patrimônio, mantendo-o distante do sequestro judicial. Tudo isso consta no processo público nº 1078799-75.2016.8.26.0100, corrente na 45ª Vara do Foro Central Cível da Comarca da Capital – São Paulo. Veja trechos abaixo.
Mas, enfim, quem tiver arrependimento, que se arrependa. Como contou recentemente seu Paulino ao portal UOL, ele, hoje em dia, está em outra. Leia abaixo trecho da referida reportagem:
Família é importante, mas nosso compromisso deve ser maior com os irmãos do caminho e o cuidado com o próximo”, diz seu Paulino, convertido ao espiritismo desde a morte de um de seus quatro filhos em um acidente automobilístico.
Como já se sabe, o filho morto é Paulino Garcia, ex secretário-executivo do Ministério da Fazenda, aos 26 anos. Ele empresta o nome à entidade fundada pela já também falecida Eurides Garcia, mãe de Rodrigo e esposa de Paulino Locatelli, e hoje em dia presidida por este último: a Associação Espírita Rancho de Luz Paulino Garcia, localizada no bairro de Solo Sagrado, na periferia de São José do Rio Preto.
No dia 9 de outubro de 2001, o então deputado estadual Rodrigo Garcia (à época, filiado ao PFL) apresentou à Assembleia Legislativa de São Paulo o Projeto de Lei 623/2001. Estava em seu primeiro mandato como parlamentar estadual.
Aquele era o sétimo projeto de lei do agora candidato que era aprovado na Alesp. Todos os anteriores eram dando nomes a viadutos e repartições públicas, além de um outro que tratava sobre colocação de placas turísticas em rodovias, como se pode ver no site da Alesp e em reprodução abaixo.
Por meio da primeira lei que criou, portanto, Rodrigo conseguiu declarar de utilidade pública a Instituição Assistencial “Rancho de Luz Paulino Garcia”, fundada em 1994 e sediada em São José do Rio Preto, sem contar, no projeto para sempre constante em arquivo na Alesp, tratar-se de uma entidade pertencente a seus pais.
A partir daí, a entidade passou a ter desconto de 50% nas contas de água e luz, concessão de auxílios, verbas e subvenções e autorização para a celebração de convênios com o poder público estadual e municipais.
Com isso, passou a receber e recebe até hoje benefícios, terrenos e verbas milionárias do poder público, seja por meio de convênios com prefeituras ou por meio de emendas parlamentares direcionando diretamente dinheiro público para a associação. O ex-aliado de Rodrigo Garcia, Gilberto Kassab (PSD), por exemplo, já assinou uma emenda vertendo R$ 200 mil para a entidade dos Garcia.
Já o deputado federal e candidato a vice-governador na chapa de Rodrigo, Geninho Zuliani (União), por sua vez, garantiu mais duas remessas de recursos federais para o Rancho Paulino Garcia, de valor somado superior aos R$ 500 mil. De acordo com o jornal Folha de S.Paulo, só de 2017 para cá (o que não inclui na conta as remessas de Kassab, realizadas antes, em 2005), foram mais de R$ 4 milhões que migraram do erário para o rancho.
De qualquer forma, o presidente da entidade, Paulino Locatelli Garcia, quando se referiu aos irmãos do caminho, em entrevista ao portal UOL, falava de espiritismo, não de dinheiro, falava do filho morto, e não do vivo, falava de quem é a base espiritual da entidade que preside, e não a financeira.
Como já referido acima, o ex-secretário executivo Paulino Garcia desencarnou em 1993, mas nem por isso abandonou suas missões terrenas. Seu espírito já ditou 11 livros editados e publicados, de autoria do médium Carlos Antônio Baccelli, entre eles, “Dr. Odilon – A Vida Fora das Dimensões da Matéria”, assim descrito no site da editora que o comercializa, atualmente com 20% de desconto:
O jovem Paulino Garcia narra nessa obra as suas experiências de além-túmulo, o seu encontro consigo mesmo, após a morte, e o aprendizado com o Dr. Odilon, o amigo espiritual que tanto nos tem elucidado no estudo da mediunidade.
Também é de sua lavra o título “Rancho de Luz”, pequena obra que empresta o nome à entidade dos Garcia e dela toma emprestada uma foto da fachada, que pode ser adquirida por R$15, já com desconto de 25%. Segue a descrição:
Os relatos de Paulino Garcia, nesse pequeno livro, de emoção em emoção conduzirá o leitor à exaltação à Vida. Nessas páginas de consolação, fulge radiante o sol da esperança, confortando os corações.
Conforme descreve outra editora de livros religiosos que vende os livros ditados por Paulino, “hoje na Vida Espiritual, ele continua ativo nos trabalhos de Jesus, orientando e incentivando o grupo de trabalhadores do Recanto Espírita ‘Rancho de Luz Paulino Garcia’, que em sua homenagem foi construído pelos familiares e dá assistência material e espiritual em São José do Rio Preto – SP. Tão grande era o seu amor pela Pátria e elevado o seu espírito público, que nos deixou uma frase que certamente irá se eternizar em nossos corações: “Esta é a sua terra, Orgulhe-se dela”.
Os fatos estão aí. Depois, quem quiser que se arrependa.