Publicado originalmente no site da Rede Brasil Atual (RBA)
POR TIAGO PEREIRA
Em condições normais, os moradores de rua e catadores de material reciclável sofrem com a exclusão social. Desassistidos pelas diversas esferas de governo, a invisibilidade dessas populações é agravada ao extremo durante a pandemia de coronavírus. Em live realizada nesta quarta-feira (19), o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva colheu relato da luta diária dessas pessoas pela sobrevivência.
Em Belo Horizonte, segundo Jessica Teixeira, da coordenação do Movimento Nacional da População em Situação de Rua (MNPR), a população de rua mal tem acesso a condições mínimas de higiene necessárias para combater o avanço da covid-19. Faltam vagas em abrigos, e até o acesso à alimentação está prejudicado, devido ao fechamento dos restaurantes populares e equipamentos da assistência social. “É muito fácil falar ‘fique em casa’. A gente não tem casa. Precisamos pensar e criar políticas de habitação.”
Em Natal, Vanilson Torres saudou recente abertura de novos abrigos. Mas, ainda assim, ele diz que os moradores de rua sofrem com a paralisação das ações de voluntários que distribuem comida a essas populações. O Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centro Pop) lançou, inclusive, a campanha com o slogan “A solidariedade não pode entrar em quarentena”, para reforçar as doações.
Questionados por Lula, ambos também relataram as inúmeras dificuldades para terem acesso ao auxílio emergencial. Além de muitos moradores de rua não estarem com a documentação em dia, eles não conseguem fazer o cadastramento online, já que não possuem celulares ou computadores. Os equipamentos públicos que poderiam prestar assistência encontram-se fechados.
Vanilson também relatou que a fome começa atingir até mesmo aqueles que têm casa. “Estamos com a população nas ruas muitas vezes sem água para beber, sem pia para fazer higiene pessoal. Muitas pessoas também estão vindo das suas residências em busca de um prato de comida.” Ele cobrou que a população de rua não pode ser alvo apenas de políticas da assistência social, mas, sim, de uma política “multissetorial”, que garanta moradia, trabalho e renda para essas populações.
Além das políticas de inclusão, Jéssica e Vanilson também cobraram do ministério da Saúde um protocolo específico para contabilizar o avanço da doença entre a população em situação de rua.
“A gente liga a televisão e tem impressão de que tem um rio de dinheiro chegando nas comunidades, com o tanto de coisa que o governo anuncia. Mas a questão é que não estão cumprindo com o que prometem”, afirmou o ex-presidente. Lula também destacou que é visível o crescimento da população em situação de rua nos últimos anos, principalmente nas capitais, como São Paulo.
Catadores
Presidenta da Unicatadores, central que reúne as cooperativas do setor, Claudete Costa relatou que os trabalhadores do setor estão tendo que voltar às ruas, apesar do risco de contaminação pelos materiais descartados, porque a maioria não teve acesso ao auxílio emergencial. O veto do presidente Jair Bolsonaro à expansão do benefício para a categoria sepultou as esperanças.
“Infelizmente, estamos de volta à rotina. Nos cuidando, na medida do possível, com máscaras e luvas”. Moradora da Cidade de Deus, no Rio de Janeiro, ela também criticou o prefeito, Marcelo Crivella (PRB), e o governador, Wilson Witzel (PSC), por se recusar a dialogar com os trabalhadores do setor.
O coordenador nacional do Movimento Nacional dos Catadores de Material Reciclável (MNCR), Luiz Henrique da Silva, afirmou que as cooperativas vivem um dilema com a pandemia. Fechadas, falta recurso para pagar os aluguéis dos espaços, e correm o risco de perder o contrato com as prefeituras, que pagam por quantidade de material coletado. Abertas, correm o risco de se contaminar.
“Não existe uma diretriz nas ações do enfrentamento da crise. Cada município atua de uma forma também em relação à coleta de resíduos. Alguns acham que tem que parar a coleta. Outros acham que os resíduos têm que ser colocados em quarentena. Mas cooperativa nenhuma tem espaço para acumular”, afirmou.
Luiz Henrique recebeu relatos de que pelo menos 20 catadores teriam morrido em Manaus, em decorrência de complicações da covid-19. A situação não é muito diferente nas demais cidades, segundo ele. Outra unanimidade essa população é a falta de assistência médica para os contaminados, devido ao colapso do sistema de saúde por todo o país.