O coletivo Luta pela Água foi formado em janeiro de 2015 pela Frente Nacional pelo Saneamento Ambiental (FNSA) e outras entidades, tanto de classe quanto dos movimentos sociais. É a entidade mais importante na luta contra os desmandos da Sabesp e do governo de SP na questão da crise hídrica.
Para entender melhor as reivindicações do grupo, o DCM conversou com o porta voz do grupo, Hamilton Mendes Rocha, produtor audiovisual e gerente do Caledoscopi Project.
Vocês acreditam nas previsões de que teremos um rodízio 5×2 neste ano?
O rodízio não é catastrófico em si. A catástrofe está realmente na falta de água para uma parte da população, enquanto outra sempre tem o recurso porque tem infraestrutura própria de armazenamento. Nos bairros de renda alta, mesmo que fechem a água na rua, as caixas d’água têm reserva para muitos dias.
Além disso, já existe suficiente sistema de armazenamento de água de reuso que reduz o impacto da carência de abastecimento na rua. A catástrofe está na ausência de distribuição pelo governo do estado de sistemas seguros de armazenamento de águas pluviais durante os meses de chuva para reduzir o consumo de reservatórios como cisternas.
A catástrofe está na falta de uma política de uso coletivo dos poços artesianos e rios subterrâneos existentes em nossas cidades. Há um estado de calamidade pública que vivemos de forma velada, cujo responsável é o governador Alckmin, blindado pela grande imprensa que o protege.
O que vocês acham da direção da Sabesp na crise? O diretor metropolitano Paulo Massato agiu de forma certa? E o presidente da empresa?
As declarações públicas do senhor Massato são irresponsáveis, alarmistas e sentenciam a população de baixa renda a pagar pelo desastre humano da falta de água causado pela política executada todos esses anos por este governo. Ele conhece há mais de 20 anos as necessidades de consumo de água de todo o estado de São Paulo.
Não estamos falando só de incompetência, mas má fé e política de privatização com objetivos exclusivamente mercantis e sem ter o mínimo de cuidado com as necessidades da população. Se não é assim, como explicar que a Sabesp, em vez de reter os lucros para realizar a proteção de mananciais, envia parte do seu lucro aos acionistas em plena crise e possível colapso?
Como explicar as demissões de quadros técnicos importantes da Sabesp no momento em que são mais necessários para solucionar os problemas existentes? Como explicar que, ao mesmo tempo em que impõe multas aos pequenos consumidores, a Sabesp oferece descontos aos grandes consumidores de até 75%?
Vocês acham que o fato de a Sabesp ter capital aberto dificulta uma gestão genuinamente interessada na eficiência?
A decisão de abrir o capital da Sabesp é a principal responsável por esse estado de coisas atualmente. É a política de priorizar a rentabilidade da empresa a todo custo em detrimento de uma política de serviço público no fornecimento de água. Assim se suprimiu uma política de proteção de mananciais, criação de reservatórios alternativos, redução de perdas na distribuição, aumento da rede de tratamento de esgotos, melhora na capacitação de quadro técnico da empresa e se aplicou uma política de sucateamento da infraestrutura existente, terceirização de serviços essenciais de manutenção e controle, além de uma redução de custos sem critérios mais sociais.
Na verdade, o argumento de que abrindo o capital se receberia mais investimento foi transformado em desvio de lucro para acionistas. Depois o governo de Alckmin foi pedir dinheiro público federal para cobrir o prejuízo causado pela crise. É um escândalo! Desvio de dinheiro público em nome da rentabilidade de uma única empresa.
Qual o papel do governador Alckmin?
Alckmin é o principal responsável pela crise que para nós não é de falta de água, pois ela existe e não se esgota completamente. A crise é de gestão da Sabesp e de abastecimento da maior região metropolitana da América Latina que possui um dos maiores PIBs do planeta e, mesmo assim, carece de infraestrutura de abastecimento de água e esgoto.
Isso acontece devido a uma política sistemática de negligências com os serviços públicos. O principal crime causado por Geraldo Alckmin é o de omitir informação à população e impedir que órgãos importantes de participação social como os Comitês de Bacia tenham papel nas questões relacionadas a esta crise. Ele esconde e contradiz informações, veta a atividade dos órgãos de participação social e realiza uma campanha para responsabilizar a população nas consequências da falta de água.
Outro crime indefensável é o racionamento velado e seletivo que o governo estadual pratica, através da Sabesp, prejudicando principalmente uma parcela social importante e com menos recursos da Região Metropolitana de São Paulo e Campinas. Se o governo decretasse Estado de Calamidade Pública e realizasse um racionamento coletivo e não seletivo, além de ordenar o consumo de água potável, ele impediria a desigualdade social do consumo de água que está se impondo com este caos de abastecimento.
E as obras necessárias para manter o sistema Cantareira? Estão sendo bem feitas ou não?
As obras que estão sendo feitas estão previstas há anos e não existe nenhuma medida realmente emergencial. A novidade é que estas obras milionárias estão sendo feitas sem licitação, portanto sem transparência e sem controle público. Você confia em um governo que se aproveita de uma crise como esta para fazer obras gigantescas? Será que ele não contratará seus amigos?
Como vocês articulam ações pela proteção do recurso hídrico?
Temos um perfil no Facebook em que postamos artigos e noticias relacionadas com a questão da água. Fazemos reuniões periodicamente com as várias entidades signatárias do nosso manifesto para definir organização e linha de atuação em atividades próprias ou conjunta com outros coletivos que se constituíram a partir de 2014. Realizamos permanentemente um trabalho de articulação com ONGs, ambientalistas, técnicos, trabalhadores da Sabesp, movimentos de moradia, sindicatos e partidos políticos.
Tem algo que eu não perguntei e vocês gostariam de falar?
O coletivo de Luta pela Água realizou um ato em frente à Secretaria de Assuntos Hídricos do Estado de São Paulo para entregar uma pauta de reivindicações que vários itens. Queremos decretar imediatamente Estado de Calamidade Pública; cancelamento dos descontos concedidos aos grandes consumidores; requisitar poços artesianos para uso comum e coletivo; implantar programa de cisternas e reservatórios coletivos junto às comunidades carentes e os equipamentos públicos; por fim, elaborar plano de emergência com ampla participação popular.
A equidade no abastecimento deve ser realizado de modo a não mais penalizar somente aqueles que moram nas periferias sociais, privilegiando as regiões mais elitizadas da cidade. Além disso, há propostas de ações mais pontuais como a criação de um “Plano de Emergência”, envolvendo a distribuição de caixas d’água e a criação de um programa estadual de cisternas e reservatórios coletivos. Todos estão em andamento.
Queremos transparência na gestão, comunicação e informação à população. Paralelo a isso, o coletivo deixou claro que é totalmente contra os aumentos nas contas de água, aprovados no último período.